Por Cláudia Souza*
27/04/2014
O corpo de Paulo Malhães foi enterrado na tarde deste sábado, dia 26, no cemitério municipal de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, na presença de cerca de 40 pessoas. O militar admitiu ter atuado na repressão política durante a ditadura, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), em março último.
O coronel reformado, de 76 anos, foi encontrado morto na sexta-feira, 25, no sítio em que morava, no bairro Ipiranga, na zona rural da cidade. O corpo de Paulo Malhães foi levado para o Instituto Médico-Legal (IML) de Nova Iguaçu.
A causa da morte apontada na Guia de Sepultamento também está registrada na certidão de óbito, que não foi divulgado pela família. A filha do coronel, Karla Malhães, de 51 anos, disse apenas que o pai tinha problemas cardíacos. Os parentes afirmaram ainda que Paulo Manhães não relatou ter recebido ameaças desde que depôs na Comissão da Verdade.
O delegado William Pena Júnior, da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), disse não reconhecer como documento a Guia de Sepultamento do militar, obtida com exclusividade pelo jornal O Globo, que mostra que as causas da morte foram edema pulmonar, isquemia de miocárdio e miocardiopatia hipertrófica. William afirmou que o laudo da perícia do corpo deve estar pronto em dez dias, e que a hipótese mais provavél para a morte é a de latrocínio.
Segundo o código penal, há latrocínio quando, para consumar o roubo, a violência empregada pelo criminoso causa a morte da vítima.
O delegado adjunto Fabio Salvaretti, da DHBF, disse em entrevista coletiva na tarde de sexta-feira, 25, que trabalha com a hipótese de vingança, queima de arquivo e latrocínio.
Rubens Paiva
O tenente-coronel reformado admitiu ter sido responsável, em 1973, para desaparecer com o corpo do ex-deputado Rubens Paiva, enterrado dois anos antes nas areias do Recreio dos Bandeirantes. Ele disse que montou uma equipe de 15 homens, disfarçados de turistas, e passou 15 dias abrindo buracos na praia até encontrar o corpo ensacado.
— De lá, ele (o corpo) seguiu de caminhão até o Iate Clube do Rio, foi embarcado numa lancha e lançado no mar. Estudamos o movimento das correntes marinhas e sabíamos o momento certo em que ela ia para o oceano, contou.
Em depoimento à CNV, o militar admitiu que participava da equipe responsável por torturar, matar e ocultar os corpos das vítimas da repressão. De acordo com ele, os torturadores arrancavam os dedos e a arcada dentária para impedir a identificação dos corpos e depois os jogavam em um rio da Região Serrana, próximo à Casa da Morte.
— Naquela época não existia DNA, concorda comigo? Então, quando o senhor vai se desfazer de um corpo, quais são as partes que, se acharem o corpo, podem determinar quem é a pessoa? A arcada dentária e digitais, só. Quebravam os dentes e cortavam os dedos. As mãos, não. E aí, se desfazia do corpo.
Roubos
Em depoimento à Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense, a mulher de Malhães, Cristina Batista Malhães, e o caseiro deles, afirmaram que chegaram ao sítio em Nova Iguaçu às 14h de quinta-feira e encontraram três homens dentro da casa. Um estava encapuzado e rendeu Cristina, outro imobilizou o caseiro e o terceiro levou Malhães para um quarto.
Segundo os depoimentos, os homens que ficaram com Rogério e Cristina mandavam que eles mantivessem a cabeça abaixada. Foram roubados do sítio um computador, uma impressora e pelo menos três armas antigas — uma de cano longo e duas de cano curto.
Cristina e Rogério disseram que não ouviram gritos de tortura vindos do quarto e foram libertados pelos próprios invasores quando eles deixavam a casa.
Cristina era a terceira mulher do militar reformado e vivia na casa há nove anos. Ela relatou à polícia que o casal nunca sofreu ameaças. O delegado informou que as outras ex-mulheres de Malhães devem ser convocadas a depor. Os cinco filhos do tenente-coronel reformado devem ser ouvidos a partir deste domingo, 27.
*Com O Globo e G1