Congresso Nacional e movimentos sociais debatem relatório final da CNV


Por Igor Waltz*

12/12/2014


Representantes de movimentos sociais presentes ao 13º Fórum Legislativo Nacional de Direitos Humanos, realizado na tarde desta quinta-feira, 11 de dezembro, no Congresso Nacional, comemoraram o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), entregue à Presidência da República no dia 10. Durante o evento, deputados federais, senadores e lideranças indígenas, camponesas e de trabalhadores debateram as recomendações e conclusões do documento.

O secretário-executivo do GT dos Trabalhadores da CNV, Sebastião Lopes Neto, ressaltou que o golpe teve o objetivo de impedir a entrada de trabalhadores na política. Ele ressalta que não só os trabalhadores, mas também os indígenas e os camponeses querem a punição dos civis e militares culpados pelas torturas, mortes e desaparecimentos registrados naquele período.

Já Sônia Guajajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, defendeu a instalação de uma comissão da verdade indígena para investigar as violações sofridas. Na opinião da representante, as recomendações dos povos indígenas estão diluídas no relatório. “Acaba que a CNV não está considerando os povos indígenas no relatório porque diz que não lutaram contra a ditadura.”

Sônia reclamou que o texto não considera a violência que houve contra os povos indígenas. “Nós queremos que reconheçam também toda a violação e o genocídio sofrido no período da ditadura porque foi uma violência cometida nesse período. Foi exatamente neste período que houve o maior roubo de terras indígenas no Brasil, o que intensificou o conflito pela demarcação de terras.”

Comissão Camponesa

Durante o evento, a Comissão Camponesa da Verdade (CCV), composta por organizações e movimentos ligados à luta pela terra, apresentou relatório sobre as violações de direitos no campo durante a ditadura militar. Nicinha Porto, membro da CCV, disse que o material aponta, além das violações e vítimas, questões que precisam ser observadas quando o cenário é o meio rural, por exemplo, a figura de quem agia contra os camponeses.

Muitas vezes, segundo ela, particulares agiam em nome de agentes do estado. “Não necessariamente estava presente no ato físico da repressão, o delegado de polícia ou um policial fardado. Mas estavam presentes pistoleiros, jagunços. É esse conceito de agente do Estado que precisa ser observado.”

Ela explicou que o relatório traz cerca de 30 recomendações. Além de pedir o reconhecimento dos camponeses que sofreram violações na ditadura, o documento traz pospostas de políticas públicas como a de reforma agrária. “As violações relacionadas ao campo têm relação direta com o processo de posse da terra, então a reforma agrária é uma causa estrutural para se solucionar a violência de hoje, e ela foi a grande bandeira do passado.”

Conhecido por suas opiniões polêmicas, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) acompanhou boa parte do Fórum Nacional de Direitos Humanos. Ele anunciou que protocolou um projeto de lei (PL 8246/14) que cria a Comissão da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República para apurar e esclarecer, entre outros, “o sequestro, tortura e execução do então prefeito de Santo André, Celso Daniel, em 18 de janeiro de 2002; o atentado do Aeroporto Internacional do Recife, ocorrido em 25 de julho de 1966, quando uma bomba explodiu matando Edson Régis de Carvalho (jornalista) e Nelson Gomes Fernandes (almirante), além de ferir outras 14 pessoas; e o atentado a bomba realizado pela Vanguarda Popular.

Intermediação do Congresso

Durante a manhã da quinta-feira, dia 11, o coordenador da CNV, Pedro Dallari, pediu à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal que dialoguem com as Forças Armadas a fim de que elas assumam sua responsabilidade institucional pelas graves violações dos direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985).

Na visão de Dallari, deputados e senadores têm essa oportunidade na medida em que representantes dos militares vêm constantemente ao Congresso negociar apoio a projetos das Forças Armadas. “Institucionalmente, o Senado e a Câmara, como representantes do povo, têm uma legitimidade para conduzir esse diálogo, que é fundamental”, afirmou o coordenador em audiência no Senado, com a participação de comissões da Câmara.

Segundo Dallari, o silêncio das Forças Armadas acerca do assunto gera insegurança para a democracia e pode indicar que elas “ainda estão de acordo com o que foi feito no passado” e poderia voltar a ser feito no futuro. Já o reconhecimento representaria “a superação desse período da história”.

Também para o representante da Comissão da Memória, Verdade e Justiça do Rio de Janeiro Wadir Damous, o não reconhecimento dos atos pelas Forças Armadas tornam coniventes as novas gerações de militares que não participaram daquele tempo. “Eles se tornam cúmplices da barbárie, porque acobertam o crime dos seus antecessores”, disse.

O presidente da Subcomissão Permanente da Memória, Verdade e Justiça do Senado, senador João Capiberibe (PSB-AP), respondeu que a expectativa dos parlamentares agora é retomar o debate com as Forças Armadas.

Segundo o parlamentar, o Ministério da Defesa e os comandos das três Forças já haviam sido procurados pela subcomissão. Porém, na ocasião, decidiram esperar pela divulgação do relatório da Comissão da Verdade, o que ocorreu ontem. “Vamos insistir nesse tema com nossos comandantes, mostrando que eles não têm nenhuma responsabilidade pessoal, mas institucional”, afirmou Capiberibe.

A Comissão da Verdade entregou, na quarta-feira (10), à presidente Dilma Rousseff e ao presidente do Congresso, senador Renan Calheiros, um relatório com o resultado dos trabalhos do grupo, que duraram dois anos e sete meses.

O documento aponta os nomes de 377 agentes públicos responsáveis pela repressão política e de 434 vítimas, além dos locais onde ocorriam as sessões de interrogatórios forçados, prisões ilegais e desaparecimentos. A comissão também pede que os culpados sejam processados.

*Com informações da Agência Câmara e da EBC.