Comissão da Verdade cada vez mais necessária


17/05/2011


A questão da votação no Congresso da Comissão da Verdade continua a provocar polêmica, e a cada dia surgem novas denúncias sobre participação de agentes do Estado brasileiro que torturaram e mesmo assassinaram opositores durante o regime ditatorial que passou a vigorar no Brasil, a partir da derrubada do Presidente constitucional João Goulart. O Deputado Brizola Neto, do PDT do Rio de Janeiro, pediu inclusive urgência no sentido de os parlamentares decidirem votar imediatamente a matéria, para que os brasileiros possam virar uma página de sua história e consolidar a democracia.
 
É possível que o pronunciamento do parlamentar — neto do falecido Governador do Rio por duas vezes, Leonel Brizola, um dos políticos mais perseguidos pelos militares que tomaram o poder pós-abril de 64 — deva-se a uma das mais graves denúncias surgidas nos últimos tempos sobre a questão da violação dos direitos humanos.
 
A denúncia foi feita por Paulo Fonteles Filho em longa entrevista na rádio Brasil Atual e incrimina dois atuais agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no Estado do Pará: o Vice-superintendente do órgão, Magno José Borges, e Armando Souza Dias.
 
Segundo Fonteles Filho, os dois agentes participaram diretamente de torturas e assassinatos de militantes da guerrilha do Araguaia nos anos 70. Na ocasião, centenas de integrantes do foco guerrilheiro na região, que atualmente integra o Estado de Tocantins, foram presos e mortos em circunstâncias até hoje oficialmente mantidas ocultas pelos militares responsáveis pela repressão.
 
Fuzilamentos sumários
 
Há denúncias inclusive de fuzilamentos sumários e até mesmo de esquartejamentos de guerrilheiros por oficiais do Exército brasileiro. Um dos poucos que conseguiram sobreviver nesse período foi o ex-Deputado José Genuíno, do Partido dos Trabalhadores (PT), atualmente assessor do Ministro da Defesa, Nelson Jobim.
 
Fonteles Filho não se resume em acusar os dois agentes hoje servindo à Abin. Ele garante que o recentemente falecido Senador Romeu Tuma, do PTB de São Paulo, participou diretamente das atrocidades no Araguaia e na época se apresentava na região como “Doutor Silva”.
 
Falecido em outubro do ano passado, Tuma chefiou por longo tempo durante a ditadura o Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops) e a Polícia Federal (PF) do mesmo Estado, tornando-se diretor-geral do órgão no Governo Collor de Mello. Ele já tinha sido acusado por vários opositores de participar diretamente de sessões de tortura.
 
De acordo com o livro “Habeas corpus”, lançado em janeiro deste ano pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Tuma participou diretamente na ocultação de cadáveres de militantes políticos assassinados sob tortura e no falseamento de informações que poderiam levar à localização dos corpos dos desaparecidos políticos. Ao ingressar na política em l994, tornou-se senador por dois mandatos de oito anos cada. Em 2010, não conseguiu se reeleger obtendo a quarta colocação e poucos dias depois do término da eleição morreu por problemas cardíacos. 
 
Pesquisas sobre a guerrilha
 
Fonteles Filho nasceu num presídio político de Brasília no início dos anos 70, porque sua mãe e o pai encontravam-se presos por serem opositores do regime ditatorial. Há 15 anos pesquisa os acontecimentos do período em que o Exército brasileiro reprimiu o movimento armado organizado pelo PC do B e que nem chegou a ser deflagrado. Os familiares dos mortos até hoje procuram localizar os restos mortais das vítimas e a maioria não obteve êxito.  
 
Recentemente, a Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) deu ganho de causa a uma petição dos familiares e exigiu que o Estado brasileiro esclarecesse, em um prazo até o final deste ano, onde estão os restos dos mortos daquele período. Exortou também o Estado a apurar em que circunstâncias os opositores foram mortos e mesmo a punição dos responsáveis.
 
O Estado brasileiro apelou no julgamento, mas não obteve êxito e até respondeu que recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF), a instância máxima da Justiça do País, considerou que anistia promulgada ainda nos estertores do regime militar segue em vigor. Por essa legislação, questionada pela OEA, torturadores e assassinos também foram considerados anistiados, mesmo que todos os acusados nunca tenham sido submetidos a qualquer julgamento.
 
Paulo Fonteles Filho — que acusa o Estado brasileiro de ter sido o responsável pela morte do seu pai em 1987, quando era advogado de camponeses e familiares de vítimas da repressão ao movimento armado do Araguaia — assegurou que vai até o fim em suas investigações para de uma vez por todas esclarecer os fatos da época, mesmo que volta e meia sofra ameaças de morte. Nestes dias, por exemplo, chegou a circular na internet uma falsa informação segundo a qual Fonteles Filho teria morrido em um acidente.
 
Grupos econômicos e as torturas
 
Como prova de que não teme ameaças, o pesquisador também denuncia a participação de grupos empresariais no apoio à repressão militar no Araguaia. Fonteles Filho acusa diretamente a empreiteira Camargo Correa e garante que atualmente o Estado brasileiro ainda infiltra agentes nos movimentos sociais com o objetivo de fiscalizá-los.

Por estas e outras denúncias, a cada dia cresce a expectativa popular no sentido de que seja criada a Comissão da Verdade, que no Brasil, em princípio, não terá a função de punir agentes do Estado, civis ou militares, responsáveis por torturas e assassinatos, mas apenas esclarecer fatos relacionados com a violação dos direitos humanos do período em que o País esteve governado por generais impostos pela corporação militar, com o apoio de grupos empresariais. Os mesmos que atualmente financiam milionárias campanhas eleitorais.
 
Alguns analistas acreditam que em face das implicações que podem resultar das investigações, a Comissão da Verdade a ser criada terá limites e para entrar de fato em vigor será necessário algum tipo de acordo para o seu funcionamento. Outros analistas, no entanto, entendem que a mobilização da sociedade brasileira, sobretudo dos movimentos sociais, terá grande peso no sentido de se chegar de fato à verdade.  
 
 
* Mário Augusto Jakobskind é membro do Conselho da ABI.