Coleção Jorge Amado nas mãos de particulares


01/12/2008


    Jorge Amado por Scliar, em 1941

Cerca de 80% das 578 peças da coleção de arte de Jorge Amado foram arrematadas em quatro sessões de leilão realizadas recentemente no Rio de Janeiro. Orçado em 9 milhões, o acervo, acumulado ao longo de 88 anos de vida do escritor, reúne objetos pessoais, cerâmicas, mobiliário, conjuntos de cristal — comprados no período em que ele e a mulher, a também escritora Zélia Gattai, estiveram exilados na Tchecoslováquia —, desenhos, esculturas e quadros assinados por artistas de renome nacional e internacional, como Anita Malfatti, Burle Marx, Carybé, Carlos Scliar, Di Cavalcanti, Djanira, Lasar Segall, Oscar Niemeyer, Pablo Picasso e Volpi:
— Apesar da crise econômica, o evento foi um sucesso excepcional — comemora Evandro Carneiro, organizador do leilão juntamente com Soraia Cals.

Segundo Soraia, dentro de um mês será divulgado um relatório completo sobre o resultado do leilão:
— Podemos informar que, entre os compradores, não há instituições públicas ou privadas, apenas pessoas físicas.

Influência

Soraia destaca também a influência que Jorge Amado teve sobre o trabalho de muitos artistas que se apaixonaram pela Bahia e sua cultura, como Floriano Teixeira e Carybé.
— Junto com sua obra literária, Jorge criou um núcleo de ilustradores. Carybé deixou a Argentina e foi viver na Bahia depois de ler “Jubiabá”. Floriano, habilidoso ilustrador, o primeiro a dar cara a Dona Flor, era maranhense e também se instalou lá.

As obras catalogadas para o leilão, em sua maioria, foram presenteadas ao escritor por artistas e intelectuais com quem ele e a esposa conviveram. O “Anjo tocando violino”, de Djanira, foi retirado de uma exposição na Galeria Bonino pela própria artista e seu marido, Motinha, para ser dado a Jorge Amado, que se encantara pelo quadro. “Dejana”, como o casal costumava chamar a artista plástica, deixou a obra na porta da casa dos escritores. Di Cavalcanti trocou o quadro “Gabriela” por um filhote da cria de Capitu, a cadela pug dos Amado. Diego Rivera desenhou uma pomba em homenagem a Paloma, filha de Jorge e Zélia. O muralista mexicano, assim como Jorge, Picasso e outros artistas, comungavam as mesmas posições favoráveis ao comunismo:
— São objetos muito pessoais, com dedicatórias dos autores, e que ajudam a contar a história de vida de Jorge Amado. Quase 100% das obras eram dedicadas a ele, o que valoriza o acervo — diz Soraia Cals.

 “Candomblé”, de Djanira (1955)

Exemplo

A primeira obra leiloada, “Retrato de Jorge Amado”, de Quirino da Silva, de 1938, é um exemplo desta valorização. Avaliada inicialmente em R$ 19 mil, foi arrematada por R$ 50 mil pelo publicitário baiano Nizan Guanaes, que comentou sobre a aquisição:
— As coisas da Bahia devem ficar na Bahia.

A pintura a óleo “Olympia do Agreste”, de Cícero Dias, de 1935, teve lance inicial de R$ 150 mil e chegou a mais de R$ 300 mil, enquanto sua aquarela “Terça-feira gorda em Nova Orleans”, de 1928, com dedicatória a Jorge e Zélia, alcançou mais de R$ 110 mil. O primeiro estudo para a capa do livro “Gabriela”, feito por Di Cavalcanti em 1959, foi vendido por R$ 48,5 mil. De Floriano Teixeira, uma pintura da série “Dona Flor”, de 1967, foi arrematado por R$ 10 mil.

O painel “Candomblé”, de 1955, de Djanira, orçado em R$ 800 mil; a pintura “São Francisco”, de 1958, do ítalo-brasileiro Alfredo Volpi; e “Retrato de Oswald de Andrade”, de Anita Malfatti, feito na década de 20, figuram entre as obras mais valiosas, e apenas a última foi arrematada no pregão. 

Rio Vermelho 

Capa do catálogo: Jorge Amado por Flávio de Carvalho, em 1945

A decisão de levar as peças a leilão partiu dos filhos de Jorge e Zélia, João Jorge e Paloma Amado, que vão reverter parte da renda para a casa da família no bairro Rio Vermelho, em Salvador, que será transformada em memorial:
— A idéia é preservar e valorizar as obras e também restaurar a casa. Manter isso custa caro e precisa de dedicação. Estou muito feliz em ver tudo limpo e restaurado e sendo comprado por pessoas que terão condições de manter as obras — ressaltou Paloma.

Também serão beneficiados o Projeto Axé, de ajuda a crianças carentes, e a Fundação Casa de Jorge Amado, espaço cultural localizado no Centro histórico da capital baiana, que detém o acervo literário do escritor — originais, primeiras edições, cartas, entrevistas, reportagens, adaptações e 30 mil negativos de fotos:
— Ficamos desesperados, porque tudo poderia se perder por falta de manutenção. Pensamos que o ideal seria leiloar e, com isso, preservar as obras — explica Paloma, autora do catálogo-livro do leilão, com as obras e a biografia de Jorge Amado, além de mais de 200 fotografias tiradas por Zélia Gattai e um texto do crítico e historiador de arte Frederico Morais, abordando alguns dos principais artistas baianos do século XX, muitos dos quais presentes na coleção.