Cineasta francês ganha o Urso de Ouro do Festival de Berlim 2023


01/03/2023


Com o argumento que aborda o trabalho de um centro de acolhimento a pacientes com transtornos psiquiátricos, Sur L’Adamant, de Nicolas Philibert, ganhou a corrida ao Urso de Ouro da Berlinale 2023. A matéria que entrevista o diretor é do crítico de cinema Rodrigo Fonseca, ancora do ABI Cineclube Macunaíma, programa que completa 50 anos neste 2023.

“Slogans são uma redução do pensamento”

Por Rodrigo Fonseca

Arredondando datas de suas participações como assistente em filmes de outros diretores, o cineasta francês Nicolas Philibert, de 72 anos, completa cinco décadas de cinema este ano que começou com a maior vitória de sua trajetória profissional até aqui: a conquista do Urso de Ouro da Berlinale. O troféu foi fruto do encantamento que seu novo filme, Sur L”Adamant documentário sobre uma estação fluvial de acolhimento (e atendimento) a pacientes com distúrbio psiquiátricos, que flana pelas águas do Sena, provocou no júri presidido pela atriz americana Kristen Stewart. Antes de receber a láurea das mãos da estrela de “Spencer” (2021), o diretor ganhou uma menção honrosa do Júri Ecumênico, formado por instituições cristãs de cunho humanista. Nas duas ocasiões, o diretor, conhecido aqui pelos docs “Ser e Ter” (2002) e “Cidade Louvre” (1990), fez uma ode ao reconhecimento da dimensão de espetáculo popular que narrativas de não ficção podem ter. Foi há 45 anos que ele começou a dirigir, filmando “La Voix De Son Maître”, ouvindo executivos em posição de chefia em grandes empresas. Nos 37 projetos que filmou na sequência, ele se pautou sempre por um mesmo método.

“Não me pauto em pesquisa, pois não chego à locação com o filme pronto. O filme em si é a pesquisa, pois eu não quero conceitos prévios, não quero filmar o que eu já sei e não quero impor qualquer conceito intelectual que eu tenha ao universo que busco conhecer”, explicou Philibert. “Pesquisas não são algo mal. Jamais. Alguma coisa eu preciso estudar sobre o tema que vou retratar. Não posso ser leviano e ir sem preparo, sem o mínimo de informação. Mas não posso impor postulações, sobretudo num caso como é Adamant, uma geografia móvel que navega pelo mundo”.

Há transtornos emocionais, crises existenciais e questões psiquiátricas graves abalando quem foi ao Adamant buscar ajuda. “Aquele lugar acolhe gente fragilizada, com fraturas, mas é gente que resiste. Meu papel político como artista foi da voz a eles”, disse Philibert, analisando o que é base ética de sua forma de filmar. “Há variadas formas de se fazer documentário. Eu faço o que considero ser “cinema político”, mas não me rendo ao rótulo que define esse conceito por aproximações a causas militantes, a slogans de governo. Eu não faço slogans, não aposto em proselitismos.É uma redução do pensamento. Sou contra a simplificação das ideias. Sou a favor da complexidade na troca. O que eu faço de “político” passa pelo direito à construção da própria fala. Eu não imponho a meus documentados o que de ver ser dito, não sou eu quem leva a palavra àqueles pacientes. Deixá-los construírem seu próprio discurso é que um gesto político em si. A sociedade nos julga pela visibilidade que temos. Então, eu torno aquelas pessoas, pacientes do Adamant, visíveis ao enquadrá-las, deixando-as falar. Cada um que construa sua reflexão sobre o que viu”.

Lista de prêmios da Berlinale 2023

URSO DE OURO: “Sur L’Adamant”, de Nicolas Philibert

GRANDE PRÊMIO DO JÚRI: “Afire”, de Christan Petzold

PRÊMIO DO JÚRI: “Mal Viver”, de João Canijo”

MELHOR DOCUMENTÁRIO: “El Eco”, de Tatiana Huezo, com menção honrosa para “Orlando, Ma Biographie Politique”, de Paul B. Preciado

MELHOR DIREÇÃO: Philippe Garrel, por “Le Grand Chariot”

MELHOR INTERPRETAÇÃO EM PAPEL PRINCIPAL: Sofia Otero, por “20.000 Espécies de Abelhas”

MELHOR INTERPRETAÇÃO EM PAPEL COADJUVANTE: Thea Ehre, por “Till The End Of The Night”

MELHOR ROTEIRO: Angela Schanelec, por “Music”

MELHOR CONTRIBUIÇÃO ARTÍSTICA: Hélène Louvart, pela fotografia de “Disco Boy”