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Cine Macunaíma retorna e homenageia criadores


25/08/2020


Por Vera Perfeito, diretora de Cultura e Lazer da ABI 

O Cineclube Macunaíma da ABI retorna hoje (25/8), virtualmente,  às 20 horas, no canal da Associação Brasileira de Imprensa no You Tube, após 38 anos de seu fechamento, exibindo dois documentários do cineasta brasileiro Sílvio Tendler: “Dr Getúlio – últimos momentos” e “Os Advogados contra a Ditadura” (2014). Durante nove anos, a partir de outubro de 1973, o Macunaíma lotou o auditório do 9º andar da ABI nas noites dos sábados quando jornalistas como Davit Chargel, Maurício Azêdo, Luiz Maurício Azedo, Ronaldo Buarque, Jalusa Barcelos e Carlos Jurandir decidiram criar o cineclube e enfrentar a ditadura com exibições de filmes da Europa Oriental, principalmente da União Soviética, além de formar uma plateia para os jovens cineastas nacionais que surgiam como Glauber Rocha, exibindo filmes do Cinema Novo. Davit Chargel foi o primeiro presidente do Macunaíma.

Aos 86 anos, o jornalista e criador do Museu da Comunicação, em Paquetá, Davit preside o Conselho Deliberativo da ABI. Ele sempre esteve por perto da Casa do Jornalista para defender a classe e se orgulha do título de primeiro presidente do cineclube, “dando o rolê” nos censores dos anos de chumbo na década de 1970, ao conseguir autorização da censura para exibir até o filme russo “O encouraçado Potenkim”.

– Tivemos que fazer duas sessões porque havia uma fila enorme no térreo do prédio o que provocou tensão porque a Marinha poderia aparecer a qualquer momento, impedindo a exibição embora estivéssemos autorizados. Mas isso não queria dizer nada naquela época – garante Davit.

O cineclube tinha cerca de 200 sócios que contribuíam financeiramente, entre eles, boa parte dos jornalistas de O Globo como Evandro Carlos de Andrade.

– A maioria dos filmes, conseguíamos em São Paulo e na Cinemateca do MAM. Eu e o Maurício íamos para a rodoviária pegar as películas. Em geral, chegavam em cima da hora da exibição. Certa vez, quase deixamos a plateia a ver navios porque me atrasei. Eu morava no antigo Hotel dos Descasados, em Santa Teresa, e o ator (falecido) Joel Barcelos fez uma feijoada no almoço. Bebemos muito e tirei uma soneca sem pensar que o filme daquela noite estava comigo. Quando acordei só tive tempo de pegar um táxi e ir para a ABI. Atrasei a sessão em quase uma hora – conta Davit.

O primeiro filme exibido foi o italiano “O bandido Giuliano”, de Francesco Rosi. Um outro filme russo como “Flor de Sal” também fez muito sucesso e, já em 1974, 50%  dos  filmes eram de produções brasileiras. Em agosto, mês do Cinema Brasileiro, o Macunaíma chegou a ganhar um prêmio por suas atividades. Entretanto, com umas das produções nacionais houve um grande constrangimento que Davit conta, rindo.

– Nos ofereceram um curta metragem que eu entendi ser “A moratória”, do Valter Carvalho. Na época, estávamos no auge da repressão e quando anunciamos a exibição os 480 lugares do auditório da ABI foram poucos. Quando o filme começou houve um mal estar daqueles porque mostrava duas mulheres transando. Na verdade, o título era “Amor e Tara” e eu entendi “A moratória”. Outros tempos…

Davit cita ainda os grandes debates que aconteciam depois da exibição, além de lembrar que o ex-Diretor de Cultura e Lazer da ABI, Jesus Chediak, falecido em maio em decorrência do Covid, programava a volta do Cineclube Macunaíma, mas, infelizmente, não houve tempo.

No momento, Davit se divide entre seu casarão, em Santa Teresa, onde sempre recebeu os amigos e criou salas para abrigar sua coleção de antiguidades, e Paquetá. Na ilha, ele comprou a casa que pertenceu a José Bonifácio para ter um lugar que abrigasse sua coleção de milhares de objetos e criou o Museu da Comunicação. Há, inclusive, as primeiras máquinas de gravação de películas.

Filmes de hoje

Hoje, serão exibidos no Cineclube Macunaíma no canal da ABI do You tube, Dr.Getúlio – últimos momentos, um curta de 6 minutos que apresenta a verdadeira carta-testamento escrita pelo presidente, e Os advogados que disseram não, documentário com 130 minutos de duração e depoimentos dos juristas que defenderam preso s políticos. Dr. Getúlio- últimos momentos narra os dias que antecederam ao suicídio do presidente que governou o país por 18 anos. O curta permite ao espectador reviver o mês de agosto que ficou marcado na história do país como um trauma coletivo. O fio condutor é a contundente versão-original da carta-testamento de Getúlio, registrando mágoas e ressentimentos devido aos poderosos interesses que contrariou e lamenta o abandono pelos aliados.

Com a instauração da ditadura militar através de um golpe das Forças Armadas do Brasil, no período entre 1964 e 1985, o papel dos advogados na defesa dos direitos e garantias dos cidadãos foi fundamental no confronto com a repressão, ameaças e todo tipo de restrições. “Os Advogados contra a Ditadura” (2014) propõe uma profunda reflexão sobra a época em questão, relembrando, através de depoimentos e registros de arquivos, a relevante e ativa participação dos advogados contra as imposições do autoritarismo e na luta pela liberdade. Dirigido por Silvio Tendler, o filme faz parte do Projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia. O documentário apresenta depoimentos de presos políticos e de advogados, entre eles Antônio Modesto da Silveira, Eny Moreira, Técio Lins e Silva, George Tavares e Alcyone Barreto. Também é lembrada a atuação de grandes nomes da advocacia no período, c aso de Sobral Pinto.

O Cineclube

Em 1974, na programação do Macunaíma havia 50% de filmes nacionais, entre eles “Deus e Diabo na terra do sol” e “Terra em Transe”, ambos de Glauber Rocha, além de grandes obras do cinema como os clássicos internacionais “Moinho de Pó”, de Alberto Lattuada; “Dom Quixote”, de Grigori Kozintzev; e “Milagre em Milão”, de Vittorio de Sica. Apesar da limitação do acervo, o Cineclube Macunaíma sempre contou com a colaboração da cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio, que cedia filmes de sua coleção para serem exibidos durante as sessões, como “Acossado” e “O Demônio das 11 horas”, de Jean-Luc Godard. Além disso, a ABI sediou diversas vezes exibições da Cinemateca e eventos como o Rio Cine 1981.

Davit Chargel ainda tem guardada a lista de 20 das centenas de filmes que foram exibidos no cineclube Macunaíma, no auditório da ABI. São eles: “O Bandido Giuliano”, de Francesco Rosi; “A cidade se defende”, de Pietro Germi; “O assassino”, de Elio Petri; “Paisà”, de Roberto Rossellini; ”Cidade nua”, de Jules Dassin; “Outros tempos”, de Alessandro Blasetti;”Um homem tem três metros de altura”, de Martin Ritt; “Crimes D’Alma”, de Michelangelo Antonioni; “O incidente”, de Larry Peerce; “O teto”, de Vittorio de Sica; “Rio, zona norte”, de Nelson Pereira dos Santos; “Os Inconfidentes”, Joaquim Pedro de Andrade; “Trono manchado de sangue”, “Yojimbo”, “A fortaleza escondida” e o “Barba ruiva”, os quatro de Akira Kurosawa; “O dragão da maldade contra o santo guerreiro”, de Gláuber Rocha; “Harakiri”, de Masaki Kobayashi; A hora e a vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos; e o “Assalto ao trem pagador”, de Roberto Farias.