Centro de Memória da Imprensa inaugurado no Rio


24/09/2010


O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro(SJPMRJ) inaugurou na noite desta quinta-feira, dia 23, o Centro de Cultura e Memória do Jornalismo (CCMJ), localizado no 7º andar do edifício que abriga a sede da entidade, no Centro do Rio.
 
O objetivo do CCMJ, iniciativa do Sindicato dos Jornalistas, é preservar a memória da imprensa brasileira a partir de um acervo constituído por textos, fotografias e vídeos produzidos por jornalistas, além de um programa de memória oral com depoimentos de jornalistas. O material completo será disponibilizado no site do projeto. Composto por um grupo de salas, o CCMJ disponibilizará ao usuário biblioteca, auditório, cursos e eventos.
 
Um dos espaços de destaque é a Sala Joel Silveira que reúne livros, fotografias e objetos da coleção do jornalista e escritor Joel Silveira (1918-2007), um dos grandes nomes da imprensa nacional. O material, reunido ao longo da vida do jornalista, foi doado por sua família.
 
Ao longo de mais de seis décadas de carreira, Joel Silveira acumulou passagens em diversas redações do País, ocupando vários cargos. Reconhecido com um dos precursores do jornalismo internacional e literário, Joel foi selecionado para a cobertura da II Guerra Mundial, junto à Força Expedicionária Brasileira(F.E.B.), por Assis Chateaubriand, de quem recebeu o apelido de “a víbora”, pelo estilo contundente.
 
Autor de mais de 40 livros, Joel Silveira assinou grandes reportagens, entre as quais “Eram assim os grã-finos em São Paulo” e “A milésima segunda noite da Avenida Paulista”, que lhe renderam premiações como Jabuti, Esso Especial, Machado de Assis, Líbero Badaró, Golfinho de Ouro, entre outras.
 
Dezenas de jornalistas prestigiaram a solenidade de inauguração, entre os quais, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, Diretores e Conselheiros da entidade, como Domingos Meirelles, Pery Cotta, Arcírio Gouvêa Neto, Miro Lopes, Mario Jakobiskind, Adail José de Souza, Carlos Di Paola.
 
A mesa de honra da cerimônia foi formada pelos jornalistas Suzana Blass e Rogério Marques, respectivamente, Presidente e Diretor do SJPMRJ, Elizabeth Silveira e Rodrigo Silveira, filha e neto do jornalista Joel Silveira, e Carolina Rocha, representante da Petrobras, patrocinadora do CCMJ.
 
Na solenidade também foi lançado o livro “Memória de Repórter: lembranças, casos e outras histórias de jornalistas brasileiros — décadas de 1950 a 1980” (Verso Brasil) que apresenta em 136 páginas depoimentos de 60 jornalistas de diversas gerações, além de fotografias e ilustrações que resgatam a história do jornalismo brasileiro.
 
Na abertura do evento, Suzana Blass destacou o papel do CCMJ para o jornalismo brasileiro:
—Hoje estamos inaugurando o Centro que é um projeto que vem acontecendo desde 2007. Uma nova etapa começa a partir de agora que temos uma sede física, um site e material para gerar produto, como publicações de livros, vídeos, material de pesquisa. Juntamos a ação sindical com a questão da memória para a reflexão do jornalismo que fazemos hoje em comparação com o que era feito no passado. O Centro será um espaço crítico importante para continuarmos a praticar um bom jornalismo, melhorando as condições de trabalho, a qualidade da informação, e a luta pela formação específica do jornalista.
 
Muito emocionada, Elisabeth Silveira pediu para o filho Rodrigo ajudá-la a ler o seu discurso, no qual sublinhou o cuidado de Joel Silveira com a coleção:
—É com muita alegria que, hoje, 23 de setembro, quando meu pai faria 92 anos, estamos aqui reunidos para esta merecida homenagem. Já doente, ele sempre me dizia: Minha filha, faça o que achar melhor com a minha biblioteca, se quiser, venda; só lhe peço que não a desmembre. Comentava como era triste ver livros autografados de vários amigos nas calçadas, vendidas a qualquer preço. Conversei com meu filho e decidimos pela doação, afinal aqueles livros significavam a vida dele. Depois de várias conversas com Geneton Moraes Neto, que me apresentou a Rogério Marques, foi plantada a primeira semente. Surgiu a ideia de doarmos ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, que criaria o Centro de Cultura e Memória do Jornalismo. Agradeço o carinho e perseverança de todos para que pudéssemos chegar a esta festa. Peço uma salva de palmas a ele e a todos os seus amigos, que certamente estarão cantando parabéns lá em cima.
 
Rogério Marques lembrou que o projeto do CCMJ foi sugerido pelo Geneton Moraes Neto, que teve longa convivência com Joel Silveira:
—A idéia nasceu pouco depois do falecimento do Joel Silveira, com Geneton Moraes Neto, que foi amigo do Joel até os seus últimos dias. Além de amigos, os dois escreveram juntos alguns livros. Ao saber que o Sindicato iria ter um Centro de Memória, Geneton achou que o próprio Joel gostaria que seu acervo ficasse por aqui, entre companheiros de profissão. A proposta foi logo abraçada pela Beth Silveira, que teve o apoio do seu irmão Joel e de seu filho Rodrigo. A presidente do Sindicato dos Jornalistas, Suzana Blass, vibrou com a idéia, assim como toda a diretoria, e nem poderia ser diferente: todos nós conhecemos e admiramos o Joel desde muito jovens, através de suas reportagens.  
 
Marques destacou aindas o valor histórico da coleção organizada por Joel Silveira:
— Além da farta literatura relacionada à Segunda Guerra Mundial, onde o sergipano Joel Silveira esteve como correspondente dos Diários Associados, a biblioteca do nosso Joel é composta por cerca de 5 mil livros, de clássicos da literatura mundial a autores brasileiros contemporâneos, documentos, fotografias e manifestações de carinho ao Joel, externadas pela nata da cultura brasileira do século passado e do atual, na forma de cartas, bilhetes, dedicatórias e caricaturas de artistas geniais como Nássara e Augusto Rodrigues. Esse riquíssimo material será de grande utilidade para a pesquisa de todos, inclusive dos jovens estudantes de Jornalismo, que o Joel recebia com o maior carinho em seu apartamento de Copacabana, sempre que solicitado. Ao pesquisar aqueles documentos esses jovens entenderão a responsabilidade que os aguarda, de ser um jornalista, ou mesmo de ser um repórter como foi Joel Silveira ao longo de toda a sua vida profissional. 

Ao final do discurso, o Diretor do SJPMRJ recordou a experiência de Joel Silveira na cobertura da II Guerra Mundial e citou e um trecho do livro “Inverno na Guerra”, que o jornalista escreveu sobre o conflito.

—É conhecida, e virou folclore, a advertência que o dono dos Diários Associados, Assis Chateaubriand, fez ao Joel Silveira às vésperas do embarque: “O senhor vai para a guerra, mas não me morra, seu Silveira, não me morra! Repórter é para mandar notícias, não para morrer! Com apenas 26 anos, o mais jovem correspondente de guerra brasileiro cumpriu a ordem de Chateaubriand, felizmente, mas pagou um preço muito alto. Diz ele, no livro:  “A guerra não foi um passeio. (…) A guerra é cheia de truques, todos nojentos. E um dos mais nojentos é fazer que alguém, que com ela conviveu durante meses, acabe sendo condicionado por ela. Por isso é que naqueles dias, véspera de voltar para casa, eu sentia que não fora apenas a guerra que havia acabado, mas também uma parte do que eu era antes de chegar à Itália. Por isso é que eu costumo dizer que cheguei à Itália com 26 anos e voltei com 40. A guerra, repito, é nojenta. E o que ela nos tira (quando não nos tira a vida) nunca mais nos devolve.” 

Após o encerramento da solenidade, os jornalistas visitaram as dependências do CCMJ.
 
Para Maurício Azêdo, o Centro de Memória vai contribuir para uma das áreas mais carentes no campo da Comunicação:
—A criação e o funcionamento do Centro de Cultura e Memória do Jornalismo são muito importantes porque um dos setores da vida nacional que mais carece de documentação e formalização da documentação existente é o setor de jornalismo e da Comunicação. Toda iniciativa neste sentido é necessária e bem recebida e folgo em ver que estamos diante de instrumento institucional que vai ter a eficácia desejável na direção da documentação da vida dos jornalistas e da imprensa do País.
 
Geneton Moraes Neto aplaudiu a iniciativa e lembrou a responsabilidade do jornalista na produção da memória da imprensa e do país:
—Uma das principais funções do jornalista é produzir memória. Passamos a vida inteira testemunhando os fatos, conhecendo personagens, produzindo memória. Com alegria vejo aqui duas coisas que se completam: jornalista produzindo memória e o Sindicato dos Jornalistas preservando esta memória. Tive o privilégio de ter uma convivência íntima com o Joel da Silveira ao longo de 20 anos. Tenho certeza que ele ficaria felicíssimo em ver que todas as coisas que ele reuniu não ficarão dispersas, estão fisicamente presentes aqui. Espero que esta seja a primeira sala de muitas outras dedicadas ao jornalismo e à preservação da memória da imprensa. Tomara que seja lançada uma campanha nacional para a preservação da memória do jornalismo, já que ela não á apenas a memória dos jornalistas, é a memória do país. Só faria bem ao Brasil e ao Jornalismo.
 
Primeira mulher a assumir o cargo de chefe de reportagem no Brasil, a jornalista Ana Arruda Calado sugeriu a ampliação do projeto de memória para outros estados:
—Esta iniciativa é fundamental. Acho que a imprensa brasileira dá 500 centros de memória. Existe, inclusive, a Rede Alfredo de Carvalho, da qual faço parte desde o início. Quanto mais trabalhávamos e nos reuníamos em seminários e congressos, mais surgiam temas relacionados à memória, sobre jornais, revistas e outros veículos maravilhosos que desapareceram. É preciso que exista um Centro de Memória em cada cidade brasileira. A ABI já faz um pouco isso. Quando a iniciativa de preservação parte do sindicato, de nós jornalistas, tem um sentido diferente. Aquele que vai para a rua batalhar pela notícia é quem deve contar esta história.
 
Mestre do fotojornalismo brasileiro, com mais de quatro décadas de carreira na imprensa, Evandro Teixeira é um dos incentivadores do resgate da história da imprensa nacional.
—Esta ideia brilhante já deveria ter sido concretizada há muito tempo. Espero que as pessoas entendam que devem fazer as suas doações para este que será o verdadeiro centro da nossa memória, da memória do jornalismo brasileiro. Eu já estou fazendo parte deste Centro e pretendo reunir mais doações. Estou organizando os meus arquivos e, futuramente, enviarei outra documentação. Todos nós estamos de parabéns.
 
Acervo
                  
Além das coleções de Joel Silveira e Evandro Teixeira, o CCMJ já recebeu material do jornalista Marcelo Beraba, que doou sua coleção pessoal dos jornais Movimento e Opinião, que circularam na década de 1970 em favor da democracia e das liberdades de imprensa e de expressão. O jornalista André Motta Lima também contribuiu com livros e periódicos antigos. O acervo do CCMJ já conta com 180 horas de depoimentos de profissionais da imprensa gravados em vídeo em estúdios no Rio de Janeiro e em São Paulo.
 
O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, e os Conselheiros da Casa, Pery Cotta e Maria Ignês Duque Estrada já foram entrevistados pelo Centro de Cultura e Memória de Jornalismo, assim como Alberto Dines, Alberto Jacob, Álvaro Caldas, Ana Arruda Callado, Arthur Poerner, Audálio Dantas, Augusto Nunes, Bartolomeu Brito, Bertholdo de Castro, Carlos Alberto Caó, Caco Barcellos, Carlos Lemos, Cícero Sandroni, Clóvis Rossi, Dácio Malta, Domingos Meirelles, Evandro Teixeira, Fernando Segismundo, Ferreira Gullar, Flávio Damm, Fritz Utzeri, Fuad Atala e George Vidor.
 
Também gravaram entrevistas Germana de Lamare, Henrique Caban, Israel Tabak, Jorge de Miranda Jordão, José Hamilton Ribeiro, Janio de Freitas, José Louzeiro, Lan, Luarlindo Ernesto, Luis Edgar de Andrade, Luiz Alberto Bettencourt, Luiz Carlos Saroldi. E ainda: Luiz Garcia, Luiz Mendes, Marcelo Beraba, Marcos de Castro.
 
A lista de depoimentos inclui ainda os jornalistas Mário Morel, Milton Coelho da Graça, Murilo MelLo Filho, Mylton Severiano, Oliveiros Ferreira, Otávio Frias Filho, Ozéas de Carvalho, Pedro do Coutto, Percival de Souza, Renato Pompeu, Ricardo Kotscho, Roberto Müller Filho, Sandra Passarinho, Sérgio Cabral, Thomaz Souto Corrêa, Villas-Bôas Corrêa, Wilson Figueiredo e Zuenir Ventura.