Centenário de Abdias Nascimento é celebrado com programação multicultural


Por Cláudia Souza*

14/03/2014


 

Abdias Nascimento(Foto: Arquivo Ipeafro)

Abdias Nascimento (Foto: Arquivo Ipeafro)

O jornalista e ex-senador Abdias Nascimento, associado da ABI entre 1948 e 2011, completaria 100 anos nesta quarta-feira, dia 14 de março. Para celebrar a data, o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro) organizou eventos que contaram com a participação de personalidades do Brasil e de diversos países, como o professor Paulo Kabengele Munanga, da Universidade de São Paulo; a filósofa Sueli Carneiro, diretora do Instituto da Mulher Negra, a professora Leda Maria Martins, da Universidade Federal de Minas Gerais; o sociólogo e cientista político Anani Dzidzienyo, da Universidade Brown, nos Estados Unidos, o ex-jogador de futebol francês Lilian Thuram, que lançou o livro “As Minhas Estrelas Negras – De Lucy a Barack Obama”.

Descrito como o mais completo intelectual e homem de cultura do mundo africano do século XX, Abdias Nascimento iniciou a carreira na imprensa, tendo fundado em 1947, o jornal Quilombo, que em suas páginas retratava a luta pela igualdade racial e pela implementação de ações afirmativas no Brasil. O dia 14 de março foi instituído por lei estadual de 2009, como o Dia do Ativista no Rio de Janeiro.

—Abdias representa a primeira voz no século 20 que uniu a reivindicação e a defesa dos direitos humanos e civis à valorização da cultura negra e de sua identidade própria, destacou Elisa Larkin Nascimento, viúva de Abdias, e diretora do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro).

Durante o debate “Democracia racial: os objetivos foram atingidos” realizado nesta sexta, das 10h às 13h, no Clube de Engenharia, no Centro do Rio, foram saudados, além do centenário de Abdias Nascimento, os 50 anos do discurso histórico de Martin Luther King pelos direitos civis nos EUA, e a trajetória de luta do líder sul-africano Nelson Mandela.

—Elisa Larkin lembra que Abdias Nascimento foi um dos primeiros intelectuais brasileiros a denunciar o impacto da escravidão para o povo brasileiro:

Abdias foi ativista dos direitos humanos da população negra discriminada, em um momento que a causa não gozava de nenhum endosso da sociedade. Era um momento de negação do racismo. Ele foi autor de propostas de inclusão de um modelo de organização do Estado brasileiro que fosse igualitário do ponto de vista social, econômico e político, e que respeitasse integralmente todas as suas identidades e culturas do País.

Leia abaixo a programação do centenário de Abdias Nascimento:

Dia 14 de março

12h – Mini-exposição “Abdias Plural e Único”

12h30 – Apresentação musical com poesia
Chorinho – Nilze Carvalho, Regional Saci Chorão
Leitura de poesias de Abdias Nascimento

14h – Cerimônia de abertura oficial

Composição da mesa de abertura: Lilian Thuram, da Fondation Lilian Thuram de Éducation contre le Racisme, seguida de execução dos hinos oficiais; e pronunciamentos de autoridades

15h30 – Abertura do Seminário com o Professor Wande Abimbola, estudioso da tradição de Ifá; ex-reitor da Universidade Obafemi Awolowo, Ile Ife, Nigéria; fundador do Instituto do Legado de Ifá

16h – Mesa Redonda, com Anani Dzidzienyo (Universidade Brown, EUA), Kabengele Munanga (USP), Sueli Carneiro (Geledés), Leda Maria Martins (UFMG)

17h15 – Homenagens a Abdias Nascimento por representantes do Instituto de Cultura e Consciência Negra Nelson Mandela, e atores do Teatro Experimental do Negro

17h45- PADÊ DE EXU Abdias Nascimento

18h – CORTEJO PARA O CAIS DO VALONGO

Aderbal Ashogun e Treme Terra Esculturas Sonoras encontram Djalma Corrêa

ABDIAS: UM MEMORIAL IMAGINÁRIO NAS PAREDES DO VALONGO
Luiz Noronha, Bernardo Gavazzi, Fernando Prado (LAMCE/ CRIAR/ UFRJ)

RITO DO NASCIMENTO (ARTE PÚBLICA)
Cia dos Prazeres e Mystério de Novidades

18h30 – Cerimônia Ecumênica (Cais do Valongo)

Representantes do candomblé, umbanda, povos indígenas, ciganos e tradição de Ifá (Movimento Inter-Religioso e Comissão Contra a Intolerância Religosa)

Oferendas na tradição africana

Tradições religiosas escritas: judaísmo, catolicismo, protestantismo, Islão, Baha’i

Tributo aos ancestrais do Valongo na pessoa de dois ilustres aniversariantes do dia: Carolina Maria de Jesus e Synval Silva

19h30 – CORTEJO DE RETORNO AO DOCAS DOM PEDRO II

Centro Cultural Ação da Cidadania – Aderbal Ashogun, Treme Terra Esculturas Sonoras e Djalma Corrêa

 19h45 – Intervalo

20h – Apresentações Artísticas

Samba: Tributo a Abdias (Terno de Cambraia)

Performance: As Quebradas contam Abdias (Universidade das Quebradas, PACC / UFRJ)

Abdias Exu nos trilhos griôs do quilombismo (Ponto de Cultura Ipeafro Griô Abdias Nascimento)

Show musical: Re.Fem.

Show musical: Nei Lopes

22h30 – Encerramento

ServiçoCentro Cultural Ação da Cidadania (Docas Dom Pedro II) Cais do Valongo, Rua Barão de Tefé, 75 – Bairro Saúde Região Portuária – Centro – Rio de Janeiro

História

Abdias Nascimento morreu em 23 de maio de 2011, aos 97 anos, vítima de complicações decorrentes do diabetes. Ele estava internado no Hospital dos Servidores, no Centro do Rio, com quadro de diabetes. Ele deixou a mulher Elisa Larkin e três filhos.

Em cumprimento ao desejo do ativista, o corpo foi cremado e as cinzas lançadas na Serra da Barriga, em Alagoas, local do maior centro da resistência negra no Brasil, o Quilombo dos Palmares.

Abdias Nascimento nasceu em 1914, em Franca-SP. É formado em Economia pela Universidade do Rio de Janeiro (1938) e pós-graduado no Instituto Superior de Estudos Brasileiros(1957).

Em 1938, organizou o Congresso Afro-Campineiro e participou do primeiro movimento brasileiro de direitos civis, a Frente Negra Brasileira (1929-37). Fundou na Penitenciária de Carandiru o Teatro do Sentenciado (1943) e lançou o jornal dos prisioneiros.

Em 1944, criou o Teatro Experimental do Negro, no Rio, organizou o Comitê Democrático Afro-Brasileira. Pouco tempo depois editou o jornal Quilombo: Vida, Problemas e Aspirações do Negro.

Na Convenção Nacional do Negro (1945-46) propôs à Assembléia Nacional Constituinte a inclusão de um dispositivo constitucional definindo a discriminação racial como crime de Lesa-pátria. Organizou a Conferência Nacional do Negro (Rio de Janeiro, 1949), e o 1º Congresso do Negro Brasileiro (Rio de Janeiro, 1950).

Atuou como curador fundador do projeto Museu de Arte Negra cuja exposição inaugural se realizou no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (1968). Manteve durante décadas contato com os movimentos de libertação africanos e com o movimento pelos direitos civis e direitos humanos dos negros nos Estados Unidos.

Alvo da repressão policial do regime militar quando foi aos Estados Unidos em 1968, não pôde retornar ao Brasil em razão do Ato Institucional nº 5. Durante 13 anos, viveu no exílio nos Estados Unidos e na Nigéria.

Participou de inúmeros eventos internacionais e introduziu a população negra do Brasil em várias reuniões do mundo africano: 6o Congresso Pan-Africano (Dar-es-Salaam, 1974) e reunião preparatória (Jamaica, 1973); Encontro sobre Alternativas do Mundo Africano / 1º Congresso da União de Escritores Africanos (Dacar, 1976); 2º Festival Mundial de Artes e Culturas Negras e Africanas (Lagos, 1977); 1o e do 2o Congressos de Cultura Negra das Américas (Cali, Colômbia, 1977; Panamá, 1980). Neste último, foi eleito vice-presidente e coordenador do 3o Congresso de Cultura Negra das Américas.

Ainda no exílio, desenvolveu extensa obra sobre temas da cultura religiosa da diáspora africana e da resistência do povo negro à escravidão e ao racismo.

Em 1978, voltou ao Brasil e participou de atos públicos e das reuniões de fundação do Movimento Negro Unificado contra o Racismo e a Discriminação Racial (MNU). Participou da criação do Memorial Zumbi, organização nacional de promoção dos direitos civis e humanos da população negra de todo o País.

Em 1981, fundou o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), organizou o 3º Congresso de Cultura Negra nas Américas (1982), o Seminário Nacional sobre 100 Anos da Luta de Namíbia pela Independência (1984), e criou o curso Sankofa, ministrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1984-95).

Foi o primeiro Deputado Federal negro a defender a causa coletiva da população de origem africana no parlamento brasileiro (1983-86). Atuou em Luanda como consultor da UNESCO para o desenvolvimento das artes dramáticas e do teatro angolanos. Participou da diretoria internacional do Festival Pan-Africano de Cultura (FESPAC) e do Memorial Gorée, sediados em Dacar, Senegal. Participou da diretoria internacional fundadora do Instituto dos Povos Negros, criado em 1987 por iniciativa do Governo de Burkina Faso, com apoio da UNESCO.

Em 1991, tornou-se o primeiro senador afrodescendente a dedicar seu mandato à promoção dos direitos civis e humanos do povo negro do Brasil. O governador do Rio de Janeiro, Leonel de Moura Brizola, o nomeou titular da nova Secretaria de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras (1991-1994). Assumiu em 1999 a nova Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania do Governo do Estado do Rio de Janeiro.

Participou da organização da participação brasileira na 3ª Conferência Mundial contra o Racismo (Durban, África do Sul, 2001) e no Fórum das ONGs dessa Conferência foi um dos palestrantes principais (Keynote Speaker).

Academia

Abdias do Nascimento é descrito como o mais completo intelectual e homem de cultura do mundo africano do século XX. É Doutor Honoris Causa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Universidade Federal da Bahia; Universidade de Brasília; Universidade do Estado da Bahia; Universidade Obafemi Awolowo, Ilé-Ifé, Nigéria.

É Professor Emérito da Universidade do Estado de Nova York (Buffalo,EUA), onde fundou a Cátedra de Culturas Africanas no Novo Mundo do Centro de Estudos Porto-riquenhos, Departamento de Estudos Americanos. Foi professor visitante na Escola de Artes Dramáticas da Universidade Yale (1969-70); Visiting Fellow no Centro para as Humanidades, Universidade Wesleyan (1970-71); professor visitante do Departamento de Estudos Afro-Americanos da Universidade Temple, Filadélfia (1990-91) e do Departamento de Línguas e Literaturas Africanas da Universidade Obafemi Awolowo, Ilé-Ifé, na Nigéria (1976-77).

Prêmios

Em 2001, o Centro Schomburg de Pesquisa das Culturas Negras, Biblioteca Pública Municipal de Nova York em Harlem, dedica-lhe o Prêmio da Herança Africana Mundial. No mesmo ano recebe o prêmio UNESCO na categoria “Direitos Humanos e Cultura” (2001). Dois anos depois, é agraciado com o Prêmio Comemorativo da ONU por Serviços Relevantes em Direitos Humanos. Em 2004, Ano Internacional de Celebração da Luta contra a Escravidão e de sua Abolição, a UNESCO cria o prêmio único Toussaint Louverture para homenagear Abdias Nascimento e Aimé Cesaire, pela luta contra a discriminação racial. Em 2006, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva o condecora com a Ordem do Rio Branco no grau de Comendador. Em 2007, o Ministério da Cultura lhe outorga a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural; Em 2008, o Conselho Nacional de Prevenção da Discriminação, do Governo Federal do México, outorga-lhe um prêmio pela prevenção da discriminação racial na América Latina. Dois anos depois, recebe do Ministério do Trabalho a Grã Cruz da Ordem do Mérito do Trabalho.

Livros

Abdias Nascimento é autor de dezenas de obras entre as quais “O quilombismo”, “Orixás: os Deuses vivos da África”, “A luta afro-brasileira no Senado”, “Brazil: mixture or massacre”; “Povo negro: A sucessão e a Nova República”, ”Axés do sangue e da esperança: Orikis”, “Racial democracy” in Brazil: myth or reality”.

 *Com Ipeafro, Exame, EBC 

*Foto de Capa: Foto: Alexandre Brum / Agência O Dia