Carta de 1988 deu ênfase à Comunicação


22/01/2010


A Constituição de 1988 conferiu à comunicação a mesma relevância que atribuiu às áreas da educação e saúde, diz o jornalista e professor Rogério Faria Tavares, sócio da ABI radicado em Belo Horizonte, que se insurge contra as tentativas de se debater a comunicação como questão de importância inferior à educação e à saúde.

Rogério Tavares é doutorando em Direito Internacional pela Universidade Autônoma de Madri, onde passou os dois últimos anos. De volta a Belo Horizonte, fez as reflexões a seguir sobre o tratamento que a Constituição deu às questões da Comunicação. Diz ele:

Ao lado de capítulos dedicados à seguridade social (saúde, previdência e assistência social), à educação, à cultura, ao desporto, à ciência e à tecnologia, ao meio ambiente, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso e aos índios, o capítulo dedicado pela Lei Fundamental à Comunicação Social (o capítulo V) integra o Titulo VIII da Constituição, que define a Ordem Social Constitucional Brasileira.

O fato de haver merecido tratamento específico na Carta Magna confere à Comunicação Social o ‘status’ de bem jurídico protegido em grau máximo pelo ordenamento constitucional brasileiro, e significa, ainda, que é fenômeno capaz de gerar direitos e deveres aos cidadãos aos quais se destina o texto promulgado em 88. A expressão ‘direito à comunicação’ tem, pois, origem na correta interpretação da Constituição.

Conseqüência imediata da filiação do capítulo dedicado à Comunicação Social ao título dedicado à Ordem Social é a conclusão de que o tema desfruta do mesmo grau de relevância conferido pelo constituinte a aspectos centrais para o desenvolvimento da nação, como os já mencionados campos da educação e da saúde. Isto revela a visão apurada do legislador pátrio sobre o poder exercido pela Comunicação Social e os impactos que ela pode gerar na sociedade brasileira. Essa filiação revela que, antes de configurar-se como atividade passível de exploração econômica, a Comunicação Social cumpre papel decisivo na vida das pessoas, assim como a família ou o meio ambiente, e, por isso, requer regulação proporcional à sua importância.

O Capítulo I do Título VIII, que define a disposição geral sobre a Ordem Social, estabelece que ela tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem estar e a justiça sociais. Isso fornece ao operador do direito uma bússola que ele pode consultar sempre que for necessário atuar em assunto ligado à Comunicação Social.

Se os objetivos perseguidos pela Ordem Social Constitucional Brasileira são o bem estar e a justiça sociais, não há como dissociar a Comunicação Social, regulada em capítulo aí incluído, dos mesmos objetivos. Foi isso que o constituinte pretendeu alcançar, nos artigos especialmente dedicados ao tema.

Em breve análise de alguns pontos do capítulo ora em exame, é possível entender por que a Comunicação Social compõe a Ordem Social e contemplar o equilíbrio de interesses que, com argúcia, o constituinte manteve na confecção da Ordem Constitucional da Comunicação Social: depois de consagrar, mais uma vez, o princípio da liberdade de expressão do pensamento, e de condenar qualquer tipo de censura, o texto constitucional estabeleceu os parâmetros necessários à fruição saudável e justa dessa liberdade, o que é típico de toda sociedade democrática e pluralista: previu a regulação das diversões e dos espetáculos públicos (artigo 220, parágrafo terceiro, inciso I); impôs restrições a mensagens que contrariem os valores éticos e sociais da pessoa e da família, ou que sejam nocivas à saúde e ao meio ambiente (artigo 220, parágrafo terceiro, inciso II); limitou a propaganda de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias (artigo 220, parágrafo quarto) e vedou a possibilidade de os meios de comunicação social serem objeto de monopólio ou oligopólio (artigo 220, parágrafo quinto), o que, de resto, é vedado em toda sociedade avançada em qualquer ramo da atividade humana.

O artigo 221 é precioso: elegeu as finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas como as que devem merecer a preferência de produtores e programadores de rádio e televisão. A cultura nacional e a regional devem merecer divulgação prioritária, e a produção independente que as retrate deve ser estimulada.

Outro artigo essencial à compreensão do capítulo da Comunicação Social é o 223, que fez referencia ao princípio fundamental que rege o serviço brasileiro de radiodifusão sonora e de sons e imagens: o da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal, todos regulados pelo Estado.

Com a realização, em dezembro de 2009, da Conferência Nacional de Comunicação, a sociedade brasileira foi capaz de discutir o tema da Comunicação Social no nível em que o ordenamento constitucional brasileiro o situou: como parte essencial da Ordem Social Constitucional brasileira, equiparado a temas como a educação e a saúde. As tentativas de transportar o debate sobre a Comunicação Social para âmbito de importância inferior contrariam o espírito da Constituição e devem ser integralmente desconsiderados, já que representam infração grave da ordem jurídica.

Agora é hora de produzir a legislação infra-constitucional sobre a Comunicação Social, já que, desde 88, muito pouco foi feito nesse sentido. A partir das inúmeras propostas aprovadas pela Conferência Nacional, será possível deflagrar um rico debate parlamentar que resulte na correta concretização das previsões constitucionais sobre o assunto.