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Caixa usa publicidade para censurar mídia; ABI manifesta preocupação e solidariedade com o Congresso em Foco


29/07/2022


Por Lucas Neiva, do Congresso em Foco

Imagine a página de um veículo noticioso que, a pouco mais de dois meses da eleição para presidente da República, não possa mencionar os nomes de “Jair Bolsonaro” e “Lula“, principais postulantes ao cargo.

Ou na qual esteja vedado o uso de termos como “Congresso”, “abuso sexual“, “presidente da Caixa Econômica“, “cloroquina“, “covid“, “Marielle Franco“, “Paulo Guedes“, “Regina Duarte“, “Itamaraty”, “fake news“, “Amazônia”, Felipe Neto, “ditadura militar“, “Flávio Bolsonaro“, “Sergio Moro” e “Dom Philips”.

Todas essas palavras e dezenas de outras, num total de 239 termos, constam de uma lista de expressões proibidas pela Caixa Econômica Federal. Ou seja: nenhuma delas pode aparecer em uma página na qual seja exibido anúncio da Caixa. Nos meios publicitários, esse tipo de relação é chamada de “blocklist” (do inglês lista de bloqueio). É um expediente usado por vários anunciantes para evitar que sua marca seja associada a determinados temas, tais como pornografia, acidentes graves, violência ou terrorismo. O que profissionais da área não estão acostumados a ver é um índex tão abrangente.

As agências que atendem a Caixa também foram instruídas a punir os veículos que desrespeitam a regra abatendo valores a pagar, suspendendo a campanha publicitária ou aplicando outras sanções, não especificadas pelas agências. “Isso mostra que a Caixa virou um instrumento cada vez mais do governo, e não de Estado”, afirma o cientista político André Pereira César.

“É um órgão do Bolsonaro. O ex-presidente Pedro Guimarães, desde o início da sua gestão, mostrou ser um agente dessa filosofia”, completa André. Um dos mais assíduos participantes das famosas lives de quinta-feira de Bolsonaro, Pedro Guimarães perdeu o emprego após ter sido acusado por servidores e servidoras da Caixa de fazer espionagem política de funcionários e promover uma cultura de assédio moral e sexual.

Para o cientista político, o fato de o índex da Caixa conter nomes do governo e da oposição não confere qualquer isenção ao tipo de controle editorial buscado pela estatal. “Temos duas vertentes. De um lado, a ideia é não mencionar o adversário ou antigos aliados que viraram desafetos; e do outro é impedir a provocação de Jair Bolsonaro, de sua família e de seus aliados no governo”, disse.

Contra liberdade de expressão

O senador Humberto Costa (PT-PE), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, reagiu com espanto às exigências feitas pela Caixa: “Isso é um cerceamento completo da liberdade de expressão. Não é possível uma instituição jornalística não abordar temas que mantenham relação com esses termos e essas pessoas. É inaceitável”.

Humberto Costa adiantou que considera o fato tão grave que vai acionar a liderança da oposição no Senado para estudar possíveis medidas contra o procedimento adotado pelo governo federal. Na Câmara, o líder da minoria, Alencar Santana Braga (PT-SP), também criticou: “Essa lista não tem sentido. O que de fato se quer ali é usar dinheiro público para autopromoção, fazendo ao mesmo tempo uma censura e o controle da imprensa. O que o governo tenta é impedir que se fale do processo político e assim evitar que se faça crítica”.

A vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Regina Pimenta, ressaltou o caráter autoritário da prática seguida pelo governo: “Quando a Caixa Econômica Federal define que vai debitar do investimento publicitário contratado junto ao veículo valores correspondentes a matérias que citem expressões ‘proibidas’, pratica censura, o que é inaceitável em regimes democráticos”.

De acordo com o advogado Christian Thomas Oncken, a prática viola a Constituição: “Temos uma restrição à liberdade de informação jornalística, uma censura. O artigo 220 do texto constitucional diz que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, e também veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Resposta da Caixa

O Congresso em Foco desde quinta-feira (28) tenta obter da Caixa esclarecimentos sobre a sua conduta. A estatal prometeu enviar até a manhã desta sexta-feira (29) uma manifestação, o que não aconteceu. Acionamos posteriormente a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do governo federal. Cabe ao órgão, vinculado ao Ministério das Comunicações, disciplinar e autorizar toda a publicidade feita pela administração direta e indireta da União. Também não recebemos resposta da Secom até o momento.

ABI protesta e se solidariza com Congresso em Foco

“Foi com extrema preocupação, perplexidade e indignação que tomei conhecimento do escabroso cerceamento à liberdade de expressão imposto pela Caixa Econômica Federal (CEF), por meio de suas agências de propaganda, ao site Congresso em Foco.

Quando a CEF define que vai debitar do investimento publicitário contratado junto ao veículo, valores correspondentes a matérias que citem expressões “proibidas”, pratica censura, o que é inaceitável em regimes democráticos.

A ABI se solidariza com os colegas do Congresso em Foco e se compromete a acompanhar de perto todos os desdobramentos dessa situação, para adoção de medidas que entender necessárias.

Regina Pimenta
presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI – Associação Brasileira de Imprensa