Brasileiros conta a Revolta da Chibata


12/08/2010


Um dos destaques da edição especial da revista Brasileiros (nº 36 – julho de 2010), comemorativa do seu terceiro aniversário, é o artigo sobre o centenário do motim de marinheiros conhecido como a Revolta da Chibata, liderado pelo marinheiro João Cândido, o Almirante Negro, em 22 de novembro de 1910, que se tornou um dos capítulos mais marcantes da História do Brasil sobre os direitos humanos no País.
 
Assinado pelo escritor, jornalista, doutor em Ciência Política e Mestre em Sociologia, Jorge Caldeira — autor também da biografia do Barão de Mauá —, o artigo de dez páginas, ilustrado com 11 fotografias de época, faz um relato minucioso do corajoso movimento deflagrado pelo marinheiro João Cândidocontra os castigos com que a Marinha do Brasil maltratava e humilhava seus marujos, por meio de punições com chibatadas em caso de cometimento de faltas disciplinares e transgressões.
 
O fato que provocou a revolta aconteceu a bordo do navio “Minas Gerais”, em reação ao castigo de 250 chibatadas imposto ao marinheiro Marcelino Rodrigues, que fora acusado de ter maltratado um companheiro. O episódio foi a gota d’água para a eclosão do motim que teve a participação de 2 mil marinheiros que, da Baía de Guanabara, liderados por João Cândido, ameaçavam bombardear a então Capital Federal, caso a Marinha não decretasse o fim dos maus tratos físicos.
 
Jorge Caldeira inicia o artigo fazendo um retrospecto sobre a repercussão do primeiro tiro de canhão disparado do “Minas Gerais”, que chegou a ser ouvido no salão onde acontecia um jantar de gala oferecido ao recém-empossado Presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca.
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Em seguida, Caldeira apresenta o depoimento do próprio João Cândido sobre o ato que liderou, no qual fica claro que o movimento já vinha sendo arquitetado já a algum tempo e demonstra como a sua liderança foi estratégica para que revolta obtivesse sucesso:
 
“O castigo de 250 chibatadas no Marcelino Rodrigues precipitou tudo. O comitê geral resolveu deflagrar o movimento na mesma noite. O sinal seria a chamada de corneta das 22 horas. Como o ‘Minas Gerais’ era muito grande, tinha os toques de comando repetidos na proa e na popa. Naquela noite, o clarim não pediu silêncio, mas combate. Cada um assumiu seu posto, e os oficiais foram presos nos camarotes. Não houve afobação, e cada canhão ficou guarnecido por cinco marinheiros com ordem de atirar para matar quem tentasse impedir o levante”.
 
O texto de Jorge Caldeira traz outros relatos importantes de João Cândido, como aquele em que ele fala que o primeiro tiro de canhão disparado do “Minas Gerais” era uma combinação para chamar a atenção das outras embarcações que fariam parte do motim: “…mandei disparar o tiro de canhão, sinal combinado para chamar à fala os outros navios…Expedi um rádio para o Catete, informando que a esquadra estava revoltada para acabar com os castigos corporais. O resto foi rotina de um navio de guerra”.
 
Em um primeiro momento o Governo subestimou o poder de fogo dos marujos revoltosos da Armada. Segundo Jorge Caldeira, “o marechal Hermes chefiou uma reunião do ministério e decidiu não levar a sério a ameaça”. Depois verificou que havia cometido um erro estratégico, mas como não havia outra alternativa cedeu às exigências dos amotinados.
 
Caldeira traz ainda uma informação inusitada sobre a Revolta da Chibata. Diz que o escritor Oswald de Andrade saía de uma festa com as atrizes da Companhia Grassi, e testemunhou a movimentação do povo e da cavalaria nas ruas em torno do cais, e achou estranho quando ouviu a palavra revolução.
 
Veja o trecho em que Caldeira reproduz a narrativa de Oswald de Andrade: “…Perguntei como se passava a coisa e me apontaram para o mar. Apressei em alcançar a Praça Paris. Aproximei-me do cais e, entre sinais verdes e vermelhos, escutei um prolongado soluço de sereia. Aquele grito lúgrebe no mar escuro me dava a exata medida da subversão. Que seria?”
 
A revolta durou uma semana e no seu terceiro dia foi concedida uma anistia aos marinheiros que participaram do levante, por meio do Decreto Legislativo 2.280, de 25 de novembro de 1910. Os castigos foram suspensos, mas logo depois a Marinha iniciou uma severa represália aos revoltosos enviando-os para os confins da Amazônia, de onde dezenas deles acabaram morrendo.
 
A verdadeira anistia e o reconhecimento para João Cândido e os seus liderados, somente veio acontecer post mortem, aprovada pelo Senado, em 13 de maio de 2008, por meio de ato legislativo, publicado no Diário Oficial , em 24 de julho do mesmo ano.