Bechara defende Acordo Ortográfico


27/05/2009


                                                                                    Henrique Huber Junior

Lênin Novaes, Pery Cotta, Evanildo Bechara e o Presidente da ABI, Maurício Azêdo

A sessão do Conselho Deliberativo da ABI, realizada na tarde desta terça-feira, 26 de maio, contou com a presença especial do professor, filólogo e acadêmico Evanildo Bechara, convidado a fazer uma exposição sobre o novo Acordo Ortográfico da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP), firmado em 29 setembro do ano passado, e que entrou em vigor no Brasil em 1º de janeiro de 2009.

No início da reunião, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, falou sobre a satisfação da Casa em receber o professor Bechara, para discorrer sobre um tema muito importante para a atividade jornalística:
— Para nós é uma honra tê-lo como convidado para esta especial conferência, em um momento em que o idioma sofre uma mudança radical em função do Acordo firmado entre os países de língua portuguesa.

Maurício Azêdo afirmou que a presença de Evanildo Bechara significava uma rara oportunidade que todos teriam “de beber a sabedoria” do acadêmico, que ele destaca como uma das maiores autoridades em língua portuguesa, no Brasil e no exterior, além de uma das grandes personalidades no âmbito da educação, em nosso País.

A idéia de convidar Evanildo Bechara para falar sobre o novo Acordo Ortográfico partiu do assessor de imprensa da Academia Brasileira de Letras (ABL), Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, que também é membro do Conselho Deliberativo da ABI. A iniciativa foi saudada como uma grande percepção do conselheiro sobre o interesse que o debate, com um mestre em língua portuguesa, poderia ter para a Casa; podendo alcançar maior abrangência com a participação de profissionais como professores e jornalistas, para os quais o idioma é o principal instrumento de trabalho.

Outra fonte de inspiração para a conferência foi o editorial “Ditadura no idioma”, publicado no Jornal da ABI, edição nº 338, de fevereiro de 2009. No texto a entidade avisa que deixaria de cumprir nos veículos que edita as normas estabelecidas com o novo Acordo Ortográfico.

A justificativa da ABI para tomar essa decisão é por entender que o Acordo, que foi determinado por decreto presidencial, “não se originou de uma necessidade social nem de uma postulação coletiva que dessem à sua elaboração e aplicação um caráter democrático”, como afirma no editorial. 

União

No início do seu discurso, Evanildo Bechara destacou a parceria da ABI com a ABL para a realização do encontro, que ele classificou como “oportuna união de duas Casas que honram a cultura e a educação deste País”. Em seguida afirmou que ficou satisfeito com o teor do editorial, porque nele a ABI demonstra estar preocupada com o instrumento de trabalho e de expressão da classe jornalística que é a língua portuguesa.

Em seguida, o conferencista lembrou que o novo Acordo Ortográfico é de 1990, foi sancionado somente no ano passado e levou quase 20 anos para que fosse discutido pela sociedade. Sobre este aspecto, ressaltou que nem sempre aparecem pessoas habilitadas para fazer esse debate, apesar da boa vontade. Por essa razão, segundo o professor, nem sempre se estabelecem “critérios que honram as comunidades lingüísticas”.

Segundo ele, é neste estágio que se percebe a importância da função dos gramáticos, que de maneira criteriosa são convocados como autoridades para falar sobre o destino, funcionamento e a situação em que se encontra o instrumento de comunicação que é a língua portuguesa:
— Esse assunto na verdade requer uma preparação porque o técnico tem um panorama mais largo deste fenômeno, como também mais profundo, e é capaz de estabelecer relações que passam despercebidas pelo falante nativo, afirmou o professor.

Em um breve relato histórico, Evanildo Bechara contou que o idioma português vem tentando chegar a uma unificação ortográfica baseada em critérios científicos desde 1885, quando os filólogos portugueses Gonçalves Vianna e Vasconcelos Abreu apresentaram pela primeira vez um texto em que se estabelecia a base da língua portuguesa.

Na seqüência, fez uma exposição sobre os princípios científicos da ortografia, no contexto da etimologia e da gramática. A partir daí, a conferência do renomado acadêmico e filólogo se transformou em uma aula magna sobre a história da língua portuguesa, devido à erudição e ao conhecimento apresentados por ele, com direito a citações sobre a origem dos idiomas românicos, aos quais o português está ligado.

Diante de uma atenta platéia de jornalistas, o professor explicou que no caso da ortografia fonética, ou seja, nas situações em que uma palavra é escrita da forma como ela é pronunciada, a ortografia ideal não existe, a não ser que para cada letra existisse um som correspondente:
— Se nós tivéssemos no Brasil uma ortografia fonética, teríamos no País, miseravelmente, uns seis sistemas ortográficos. Isto porque o Norte não pronuncia como o Nordeste, da mesma forma que este não se comunica oralmente como o Sudeste, que não fala como o Sul, que por sua vez não se expressa como o Centro-Oeste.

De acordo com o professor Evanildo Bechara, as variedades fonéticas não servem como modelo para uma ortografia ideal. Como exemplo, citou a letra x, que se pronuncia com som de z na palavra exercício:
— A ortografia perfeita não existe em língua nenhuma. Não há língua de cultura com um sistema ortográfico ideal. 

Primeiras reformas

                                  Evanildo Bechara

No século XIX ocorreram as primeiras reformas ortográficas. A primeira aconteceu em 1911, organizada pelo então Governo português. O Brasil não foi consultado, apesar de à época já se configurar como um País de prestígio internacional, com uma população superior à portuguesa.

Em 1931, houve uma reunião entre a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras, que pretendiam trabalhar no sentido de uma unificação do idioma. O resultado desse processo ficou estabelecido no Vocabulário Ortográfico de 1943. Mas assunto gerou uma polêmica entre Brasil e Portugal:
— O Acordo de 1943 atendia às necessidades lingüísticas do Brasil, mas não contemplava as de Portugal, que se viu obrigado a estabelecer um novo com o Brasil. Foi daí que saiu a reforma ortográfica de 1945, explicou Evanildo Bechara.

De acordo com o professor, a reforma de 1945 beneficiava mais a tradição ortográfica portuguesa do que a brasileira. Para resolver o problema, os brasileiros passaram a adotar o Acordo de 1943 e os portugueses, o de 1945. Em 1970, filólogos brasileiros e portugueses se reuniram em um colóquio em Portugal, para tentar chegar a um consenso sobre a unificação idiomática.

Explicou o gramático que o português é a única língua que até hoje não chegou a um sistema unificado da sua grafia, como é o caso do espanhol. Neste contexto, o ponto positivo sobre o Acordo Ortográfico de 1990 — ressaltou o professor Bechara — é que este oferece aos países lusófonos um sistema ortográfico coerente, eliminando as diferenças:
— O nosso pleito é que a partir dessa unificação os futuros alunos escrevam a língua portuguesa com mais coerência. O mais recente Acordo tem como mérito a tentativa de desbaratar as minudências que atrapalham o homem comum.

A unificação do idioma português foi classificada por Evanildo Bechara como um grande passo diplomático e político, na medida em que dos oito países lusófonos sete escrevem da maneira lusitana, e somente o Brasil faz uso da escrita à sua moda: “É por isso, que essa reforma vem resolver as nossas agruras em matéria de sistema”, afirmou o gramático.

Para destacar o papel do idioma para as sociedades, Bechara citou um texto de Fernando Pessoa, escrito após a reforma de 1911, no qual o poeta fala que a ortografia deve ser vista pelo lado cultural, mas que não se deve ignorar a sua face social:
— A ortografia tem um aspecto cultural, mas junto desse fator existe o lado pessoal. Por isso, na opinião de Fernando Pessoa, no tocante à ortografia, o estado não pode promover a indisciplina no campo social. Todos os sistemas ortográficos são sancionados pelo Governo, o que não impede que cada escritor escreva como quiser, afirmou. 

Polêmica

Apesar de o professor Bechara ter destacado o apoio que a imprensa tanto no Brasil quanto em Portugal têm dado ao Acordo Ortográfico, o assunto ainda gera discussões nos dois países.

Em Portugal, o tema ainda não é consenso nos jornais, como afirma o jornalista Nuno Araújo, redator da Papel de Carta — Agência de Comunicação e Publicidade:
— Quanto ao acordo ortográfico, a discussão em torno do mesmo tem existido, mas sem grandes conclusões. A maior parte é contra o mesmo, pelo que suponho que todos nós iremos continuar a escrever da mesma forma. Para já, está tudo igual.

Nesta terça-feira, 26 de maio, a Assembléia da República anunciou que vai promover na próxima quarta-feira, 3 de junho, um debate sobre o Relatório da Comissão Parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura sobre o abaixo-assinado público contra o Acordo Ortográfico.

Aprovado no mês de abril, por unanimidade, o Relatório final da Comissão ressalta que “o Acordo Ortográfico enferma de vícios susceptíveis de gerarem a sua patente inconstitucionalidade”. 

Debate 

 A platéia ouve atentamente a palestra de Bechara

Quase ao término da conferência, o professor Evanildo Bechara se dispôs a responder às perguntas dos conselheiros da ABI sobre o novo Acordo Ortográfico. Milton Coelho da Graça disse que a língua portuguesa sofre de excessos de reformas. Segundo ele, o julgamento final que vai apontar se o Acordo foi favorável ao desenvolvimento da língua portuguesa fica por conta da História.

Na opinião do conselheiro da ABI, a idéia fundamental da reforma ortográfica atual foi fazer com que os livros editados no Brasil e em Portugal conquistassem rapidamente o mercado, unindo os idiomas dos países africanos de língua portuguesa. Ele assinalou também que não vê sentido algum nessa mudança imediata:
— Nós perdemos a singularidade vocabular. É muito difícil para mim, explicar aos meus alunos do curso de Jornalismo por que eu devo abandonar a diversidade ortográfica que tínhamos antes. Quando eu escrevo para jornais eu sigo o Acordo, mas se eu tiver a petulância de escrever um livro vou fazê-lo da forma das reformas ortográficas anteriores. Porque eu espero que seja mais facilmente identificável para os meus leitores.

Mário Augusto Jacobskind quis saber do professor Bechara se os Acordos anteriores foram discutidos amplamente pela sociedade. Já o Vice-presidente da ABI, Tarcísio Holanda, levantou a questão do descontentamento dos portugueses em relação ao processo de unificação do idioma, que segundo ele tem sido muito mais intenso em Portugal do que no Brasil.

Bem-humorado, Evanildo Bechara decidiu responder a todas as perguntas em um só bloco. Pediu à platéia que imaginasse se os ortógrafos fossem pedir a opinião do povo brasileiro ou do português, para providenciar as reformas ortográficas. Em seguida, voltou a afirmar que os assuntos técnicos têm que ser tratados por especialistas:
— É claro que não somos futurólogos. Não podemos afirmar que educação brasileira vai melhorar com a reforma, porque o objetivo dela não é promover melhorias na educação nacional, que é um problema que se resolve por outras vias.

O professor sinalizou para a degradação do ensino, para a qual, segundo ele, a ortografia vai trazer um subsídio muito pequeno, mas vai qualificar a difusão da língua. Em relação às críticas disse discordar daquelas que classificam o Acordo como autocrático:
— Não é verdade, porque ele permite diferenças lingüísticas, não as ortográficas. Escrever Antônio com acento circunflexo ou agudo é uma questão lingüística. Há neste caso uma variedade lingüística lusitana que aí difere da brasileira.

Sobre os protestos em Portugal, o gramático disse que o problema está no fato de o povo português se colocar na condição de “dono da língua”.

            Evanildo Bechara e Maurício Azêdo

No encerramento do encontro, Maurício Azêdo agradeceu a presença do ilustre convidado, enaltecendo o alto nível de conhecimento do conferencista ao discorrer sobre a atual reforma da língua portuguesa:
— Outro aspecto que desejo sublinhar é que na apresentação do perfil do professor Bechara eu disse que nós íamos beber da sua sabedoria e íamos ouvir um sábio. Realmente a exposição dele confirmou as afirmações que eu fiz, que não foram desprovidas de fundamento como ele confirmou com sobejas demonstrações de erudição ao longo de sua magnífica conferência, declarou o Presidente da ABI.