Bastidores — Décio Luiz


18/08/2009


Uma vida dedicada ao rádio e à televisão

José Reinaldo Marques

Em 1951, na seção “Álbum do rádio”, no seu segundo número, a prestigiada Revista do Rádio abriu uma página para falar sobre Décio Luiz de Souza, então com 22 anos de idade. Naquela época, ele era um dos mais novos locutores do País, cuja atuação, de acordo com a publicação, se destacava pelo “brilho e segurança” com que se apresentava aos ouvintes.

Décio Luiz começou a trabalhar em rádio, em 1945, antes de completar 18 anos de idade. Primeiro, na rádio MEC e depois na PRA-3 Rádio Clube do Brasil. Mais tarde, veio a se destacar na locução e no comando do Jornalismo das Rádios Nacional, Globo e Tupi. Décio Luiz foi um ás dos jornais falados, entre as décadas de 40 e 60, e com isso personificou a figura do âncora no Brasil, muito antes de o termo ter sido consagrado na televisão, em 1952, segundo os estudiosos do assunto, “por causa do trabalho de Walter Cronkite, durante a convenção pré-eleitoral do Partido Democrata nos Estados Unidos”.

Décio Luiz, atualmente com 80 anos de idade, muito diferente do empreendedor do passado, vive recluso em um apartamento no Leblon (zona sul), mergulhado em suas memórias, cercado de material inédito sobre grandes personagens do rádio, televisão e da imprensa brasileira — a exemplo de Silvino Neto e Nássara —, que pouco manuseia, mas que se trata de material precioso que daria para escrever mais de uma dezena de livros sobre grandes figuras da cultura brasileira.

Continua o homem simples e discreto do início da carreira, que não gosta de falar de si mesmo, mas que se entusiasma e sorri com as manifestações de carinho da professora de inglês Martha Pereira de Souza — “Ms. Martha”, que é como ela gosta de ser tratada pelos alunos — com quem está casado há 50 anos. Ele conta como foi o início da sua trajetória:
— Em 1945, eu fui ser locutor no Rádio Clube do Brasil, que hoje é a Rádio Globo, onde eu também trabalhei como apresentador de esportes logo que ela iniciou as suas transmissões. Três anos depois (1948), eu já estava na Rádio Nacional. Lá eu comecei jovem, antes de completar os 18 anos de idade. Naquela época a Nacional era a mais importante estação de rádio do Brasil.

Em 1948, Décio Luiz se transferiu para a Rádio Tupi para fazer o jornal falado da emissora em um estilo diferente do que fazia na Nacional. O noticiário era baseado nas notícias fornecidas pela Agência Meridional e pela reportagem do jornal Diário da Noite, veículos que pertenciam aos Diários Associados de Assis Chateaubriand:
— O nome do jornal era “Quando o galo canta o cacique informa” e fez um tremendo sucesso. A audiência foi tão grande que o “Repórter Esso”, outro grande noticiário da época, teve que modificar a sua apresentação e passou a dar notícias nacionais também, mas só que com muito atraso em relação ao jornalismo da Rádio Tupi. A nossa vantagem era pertencermos aos Diários Associados, com correspondentes de Norte a Sul do Brasil. Para nós foi importante porque conseguimos quebrar a hegemonia da Rádio Nacional.

Esse foi um momento importante de Décio Luiz no rádio, pois pôde acompanhar de perto, na qualidade de protagonista, um dos momentos mais frutuosos do radiojornalismo brasileiro.

Os radialistas José Acrísio e Décio Luiz

Em 1950, os Diários Associados lançaram a TV Tupi. Primeiro em São Paulo, em seguida foram instalados os estúdios no Rio de Janeiro. Quinze dias antes da sua inauguração da Tupi carioca, que aconteceu no dia 20 de janeiro de 1951, Décio Luiz e o então engenheiro chefe da emissora, Luiz Malheiros, fizeram o programa “Aprenda a sintonizar”, que ensinava os telespectadores a ligar corretamente os aparelhos de televisão:
— É por isso que eu me considero o pioneiro dos homens de televisão do Rio de Janeiro. Quando a Tupi foi inaugurada, eu assumi a chefia do Departamento de Cinema e Reportagem. Os primeiros passos da televisão brasileira foram dados pela TV Tupi.

Na TV Tupi Décio Luiz apresentava o telejornal “O que dizem os jornais”, que ia ao ar às 22h, perto do encerramento das transmissões. Segundo ele, era um telejornal improvisado, baseado na leitura das manchetes dos jornais que estariam nas bancas na manhã do dia seguinte:
— Eu escolhia os jornais para ler, inclusive os veículos dos Diários Associados, que me passavam em primeira mão o que iam publicar no dia seguinte. 

Furo 

Em 1963, ocorreu no Rio de Janeiro uma paralisação geral das emissoras de rádio e televisão, por causa da reivindicação dos trabalhadores por melhores salários. A única rádio que não parou foi a MEC porque era estatal e seus funcionários não podiam se juntar ao grupo grevista dos veículos particulares.

A greve acabou beneficiando a rádio do Governo, porque todas as outras entraram em greve e a MEC ficou sozinha no ar. Nessa época, Décio Luiz era o chefe do jornalismo da emissora. Durante o período de paralisação das outras rádios, a MEC foi a única emissora no ar e passou a os transmitir noticiários com exclusividade. Por causa do movimento grevista, o locutor acabou sendo o responsável por divulgar uma das notícias mais importantes do histórico dia 20 de novembro de 1963:
— Sobre a minha passagem pela Rádio MEC eu tenho uma história muito interessante. Por causa da greve eu tive a oportunidade de anunciar, com exclusividade, a notícia da morte do Kennedy. Simplesmente, a MEC foi a única emissora a falar do assassinato do então Presidente dos Estados Unidos.

Quando veio o golpe militar de 64, Décio foi taxado como comunista e teve que responder a um IPM (Inquérito Policial Militar). Depois do caso passado é que foram descobrir que estavam perseguindo o Décio errado. O que eles estavam procurando chamava-se Décio Luiz Pereira de Souza, enquanto que o seu nome de batismo é Décio Luiz Leal Pereira de Souza:
— Eles convocaram todo mundo que trabalhou antes do golpe militar para ser inquirido, eu fui um deles. Como não provaram nada contra mim eu acabei chefe de Reportagem do MEC. Fui alçado a um dos postos de destaque, na função de um dos responsáveis pelos jornais da emissora, que antes da minha chegada não existiam. Para mim foi um benefício, graças a essa brincadeira eu ascendi no serviço público.

Livros 

Amante da boa literatura, Décio Luiz se tornou especialista em Machado de Assis e Eça de Queiroz. Profundo conhecedor da obra machadiana, foi convidado a participar da edição do livro “Memorial de Aires”, para o qual escreveu as notas explicativas de pé página. O livro foi lançado pela editora Expressão e Cultura, com ilustrações de Riva Bernstein e fotos de Zeka Araújo.

Em 2001, lançou o livro “Eça de Queiroz — Cartas D’Amor” (que organizou e para o qual escreveu um ensaio), que foi publicado pela editora Contratempo. A obra reúne cartas, que, segundo Décio Luiz, jamais tinham sido publicadas, e que foram escritas “no estilo inconfundível de Eça de Queiroz”, assinadas pelo misterioso personagem Carlos Fradique Mendes — “autor inventado, escritor de ficção dos círculos lisboetas de Antero de Quental, Ramalho Ortigão, Jaime Batalha Reis e pelo próprio Eça de Queiroz”.

O livro é uma história de amor na forma de cartas, tão ao gosto do período romântico do fim do século XIX, em que foi escrito. Segundo Décio Luiz, “quando lidas em seqüência as cartas são um verdadeiro mini-romance”.

Décio é também um profundo conhecedor do Rio de Janeiro, capaz de contar a história tanto dos logradouros como as de muitos monumentos que ornamentam a cidade:
— O Rio era a história do Brasil, todo mundo importante nos estados vinha para cá e a gente convivia com eles. Aliás, nos dias de hoje continua acontecendo a mesma coisa. São Paulo tem uma força econômica terrível, mas é para o Rio que vêm as pessoas importantes.

Tanto no meio cultural quanto no jornalístico, Décio Luiz conheceu muita gente. Fez grandes amizades como o jornalista Sérgio Porto, o Stanislau Ponte Preta, colunista da Última Hora:
— Eu fui alvo de uma coluna inteira dele quando quebrei a segunda vértebra cervical pegando jacaré na praia de Copacabana. Tive que usar um aparelho que chamava muito a atenção. Cansado de responder a muitas perguntas sobre as causas do acidente mandei fazer um cartão com 16 itens, para entregar a quem me perguntasse sobre o caso. Ele gostou e publicou a história na coluna.