Artigo: “Uma visita histórica às antigas dependências do DOI-Codi”


23/09/2013


Randolfe e Bolsonaro discutem durante visita ao Doi-Codi, que funcionava em um prédio no interior do 1º Batalhão da Polícia do Exército, na Tijuca. (Crédito: Marcus Pinto / Terra)

Randolfe e Bolsonaro discutem durante visita ao Doi-Codi, que funcionava em um prédio no interior do 1º Batalhão da Polícia do Exército, na Tijuca. (Crédito: Marcus Pinto / Terra)

O conselheiro da ABI e Presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da entidade, Mário Augusto Jakobskind, esteve presente nesta segunda-feira, 23 de setembro, durante a visita de parlamentares, membros da Comissão Estadual da Verdade e do Ministério Público Federal às antigas dependências do Destacamento de Operações de Informações-Centro de Defesa Interna (DOI-Codi), no bairro da Tijuca, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.

Além do tumulto causado pela presença do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), o jornalista conta os detalhes da visita ao interior do prédio que abrigou um dos principais centros de repressão durante o regime de 64.

Comissão Estadual da Verdade e parlamentares fazem visita histórica nas antigas dependências do DOI-Codi

Por Mário Augusto Jakobskind *

“O atual quartel Zenóbio da Costa, onde se localizava a antiga dependência do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações-Centro de Defesa Interna) foi palco nesta segunda-feira (23) de um acontecimento histórico com repercussão nacional. Integrantes da Comissão Nacional e Estadual da Verdade, parlamentares do Senado e a representação do Ministério Público Federal fizeram uma visita no local, conseguindo neutralizar a ação provocativa do Deputado Jair Bolsonaro, do PP-RJ.

O parlamentar extremista tentou de todas as formas tumultuar a visita, chegando a agredir fisicamente o Senador Randolpho Rodrigues (PSOL-AP), além de destratar verbalmente a Deputada Jandira Feghali, do PCB-RJ.

Os integrantes das comissões se recusaram a realizar a visita, autorizada pelo Ministro da Defesa, Celso Amorim, caso Bolsonaro os acompanhasse, porque o parlamentar não integra nenhuma das comissões que estavam presentes no quartel e estava lá com o visível objetivo de tumultuar e mesmo impedir a visita. Derrotado e isolado, inclusive pelos próprios militares, Bolsonoro limitou-se a observar de longe o trabalho que estava sendo realizado.

Linguagem da Guerra Fria

Antes da visita, Bolsonaro concedia entrevistas utilizando a mesma linguagem da época da Guerra Fria, o que valeu comentário do Senador João Capiberibe (PSB-AP), segundo a qual o parlamentar representa um Brasil que ficou para trás e está vinculado as torturas da época da ditadura. “Esse é um Brasil que está superado”, disse, para em seguida elogiar a nova geração de militares que nada tem a ver com o período das torturas e assassinatos como as praticados nas dependências que estavam sendo visitadas.

Superado o impasse, o Senador João Capiberibe, presidente da Subcomissão da Verdade, Memória e Justiça do Senado, a Deputada Luiza Erundina (PSB-SP), presidente da mesma comissão na Câmara dos Deputados, Randolfe Rodrigues, o presidente da Comissão Estadual da Verdade, Wadhi Damous, Álvaro Caldas, jornalista e integrante da Comissão Estadual da Verdade e Nadine Borges, também da Comissão do Rio de Janeiro, iniciaram a visita em companhia de autoridades militares.

Jornalista mostrou o caminho certo

No interior do quartel, graças ao jornalista Álvaro Caldas, que esteve preso duas vezes no DOI-Codi nos anos 70, os integrantes das comissões puderam percorrer o local certo onde pelo menos 800 presos políticos sofreram torturas e alguns, como o jornalista Mario Alves e o ex-deputado Rubens Paiva foram assassinados.

Enquanto os militares apontavam no quartel uma área a ser percorrida, Álvaro Caldas mostrou o caminho certo onde os opositores ao regime ditatorial foram torturados. O jornalista foi elogiado pelos integrantes das comissões pela coragem e lucidez, que ajudaram o trabalho da Comissão. É bem possível que se ele não estivesse presente, os integrantes das comissões não teriam percorrido o caminho certo onde se pretende criar um Museu da Memória.

Caldas, atualmente com 72 anos, observou que em relação há 40 anos atrás houve mudanças, mas a estrutura das dependências continuou a mesma, daí ter lembrado o caminho certo. O jornalista admitiu que passou a madrugada acordado pela emoção em ter de voltar, quatro décadas depois, ao local onde passou os piores momentos de sua vida. Caldas lembrou que na primeira vez que foi preso e sofreu pesadas torturas. Posteriormente, quando trabalhava no jornal O Estado de S. Paulo foi seqüestrado covardemente em sua casa e levado novamente ao DOI-Codi.

Para a Deputada Luiza Erundina, é fundamental o acompanhamento do trabalho das Comissões da Verdade pelos movimentos sociais e pela imprensa. “É fundamental a pressão externa sobre o Congresso para dar andamento aos trabalhos das Comissões na Câmara dos Deputados e Senado.  A parlamentar socialista observou ainda que “queremos justiça, mas esta só será alcançada com  a reinterpretação da Lei de Anistia, porque não é possível colocar em pé de igualdade torturados e torturadores, que seguem impunes”.

Do lado de fora do quartel permaneceram aguardando o final da visita integrantes de movimentos sociais, desde o Grupo Tortura Nunca Mais, a Comissão de Memória Verdade e Justiça do Rio e o Levantes Popular da Juventude, além de ex-presos políticos que sofreram torturas nas dependências do DOI-Codi. Militares da Reserva, punidos por atos institucionais, entre os quais o Comandante Santa Rosa também acompanharam a visita do lado de fora. ”

* Jornalista, Conselheiro e Presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI