Artigo destaca papel da ABI na defesa da cultura


11/02/2020


Artigo: Cultura sem dirigismos

 ABI assumiu uma posição de alerta quando foi divulgado o vídeo de Roberto Alvim

De Shakespeare a Pixinguinha, o Estado nunca produziu cultura. O papel das instituições públicas na democracia é fomentar as atividades culturais sem dirigismos ou quaisquer interferências na liberdade de expressão artística, seja popular ou erudita. Em se tratando de cultura, a nação é soberana diante do poder do Estado. Na história, a cultura antecede à organização social e a polis, ela é o marco fundador da civilização.

Trata-se de uma herança civilizatória, que nos chega ao presente como registro do fazer e do saber produzidos pelas gerações passadas. Desse registro, nos apropriamos pela educação, pelas artes e pelo convívio social, onde nos reconhecemos e nos identificamos como indivíduos de um mesmo grupo ou nação.

Em função do grande poder de persuasão que possui a cultura como fundamento da nacionalidade e, em consequência, da cidadania, a ABI assumiu uma posição de alerta quando foi divulgado o vídeo do ex-secretário nacional de Cultura Roberto Alvim, com conteúdo ideológico nazista, copiando Joseph Goebbels. A semelhança não pode ser considerada coincidência, pois a música de Richard Wagner, compositor preferido de Adolf Hitler, não deixa dúvida sobre a intencionalidade de Alvim. O presidente da ABI, Paulo Jeronimo de Sousa, foi contundente em sua reação contra o conteúdo do vídeo, expedindo uma nota curta e objetiva que pedia a exoneração imediata do secretário nacional de Cultura, posicionando a Casa do Jornalista, mais uma vez, na defesa incondicional da democracia.

No nazismo, os agentes de um poder sem limites do Estado censuravam qualquer tipo de manifestação cultural que estivesse fora dos parâmetros ideológicos oficiais. Assim, não se admitiam a pluralidade nem o nem o contraditório. Temos documentários que registram milhares de militares empunhando tochas de fogo marchando coreograficamente até formar uma suástica em torno de uma fogueira de livros. Também nas universidades, vemos alunos jogar no fogo obras de Voltaire, Tólstoi, Jack London, Anatole France, entre muitos outros autores consagrados, enquanto Joseph Goebbels discursava sobre a superioridade da nova cultura ariana.

O vídeo de Alvim evidenciou uma questão que estava subjacente no governo, embora os discípulos de Olavo de Carvalho postulem o desmonte do “marxismo cultural”, o que vemos é o corte de recursos para as manifestações artísticas e o aparelhamento ideológico das instituições culturais como a Ancine, Biblioteca Nacional, Casa de Rui Barbosa e a Funarte, em nome de um projeto de nação provinciano e totalitário, que flerta com semialfabetizados, para agradar a determinados fundamentalismos religiosos. É preocupante o exemplo de Adolf Hitler, um simples cabo austríaco, que conseguiu chegar ao poder apoiado por uma maioria inculta afrontando a inteligência de uma nação da dimensão cultural da Alemanha.

Além das ações de desmonte dos equipamentos culturais, o governo ofende os jornalistas e procura calar a imprensa, através de mecanismos de censura econômica, o que resulta em uma ação antidemocrática e politicamente criminosa. Ainda há a agravante de que a notícia, uma uma vez publicada, fica para a posteridade, como testemunha da história. Se, daqui a cem anos, se fizer uma pesquisa histórica sobre os dias de hoje, o jornal será uma das principais fontes. E, se houve omissões de fatos por censura, nossa história será uma farsa apresentada como verdade para as gerações futuras.

A atual diretoria da  ABI, eleita com a plataforma de lutar pela democracia, retoma a tradição de resistência da entidade e volta-se para o protagonismo histórico que habita as trincheiras dessa instituição centenária inigualável no combate em defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos.e dos direitos humanos.

Enfim, a Casa dos Jornalistas voltou a estar pronta para combater o bom combate.

Jesus Chediak é diretor de cultura e lazer da ABI