Artigo: “A Política de Segurança do Estado e o Caso Amarildo”


Por Alcyr Cavalcanti

11/11/2013


Pra mim tanto faz o tráfico ou a polícia, eu não posso expulsar o tráfico, tenho de conviver com ele. Mas se houvesse uma polícia honesta, eu escolheria a polícia. Por enquanto eu confio mais no tráfico do que na polícia”.

Jair X., morador na Rua 2

Moradores da Rocinha protestam contra a violência policial. (Crédito: Alcyr Cavalcanti)

Moradores da Rocinha protestam contra a violência policial. (Crédito: Alcyr Cavalcanti)

“O caso do desparecimento do auxiliar de pedreiro Amarildo de Souza Lima, morador da “maior favela do América do Sul” é mais um número de uma triste estatística de mais de 35 mil pessoas desaparecidas nos últimos seis anos no Rio de Janeiro. O número impressiona e tem colocado em xeque a propalada eficiência das Unidades de Policia Pacificadoras-UPPs, que ao contrário da intensa publicidade dos marqueteiros de plantão vem trazer à tona uma política de segurança que como resultado instalou medo e insegurança a mais de dois milhões de despossuídos, que residem nas centenas de favelas cariocas. O caso Amarildo veio em seguida a mais uma das invasões que teriam como resultado trazer a paz. A invasão da Rocinha, favela promovida a bairro por decreto tinha o nome sugestivo de Operação Paz Armada efetuada poucos dias antes da chegada em julho do Sumo Pontífice ao Brasil.

Há quase quatro meses atrás no dia 14 de julho, o auxiliar de pedreiro havia saído para seu lazer preferido, pescar no costão da Avenida Niemeyer, que além de gratuito ainda garantiria o almoço da família. Ao voltar para casa foi preso por policias militares e conduzido à sede da UPP da Rocinha na área denominada Portão Vermelho. Sua entrada foi gravada pelas câmeras instaladas, sua saída, no entanto não foi registrada, as câmeras estariam sem funcionar. Foi a última vez que foi visto, depois disso desapareceu, ninguém sabe, ninguém viu, a lei do silêncio prevalece. Amarildo morava com a mulher Elisabeth Gomes e seis filhos na Rua2, um dos 18 sub-bairros da  Rocinha, favela promovida a bairro por decreto na década de oitenta. A rua ficou famosa na época por ser o maior ponto de venda de drogas da cidade do Rio de Janeiro.

Muitos anos se passaram e o tráfico continua pujante, embora sem o brilho de outrora. Segundo afirmação de policiais que participaram da recente invasão de julho ainda havia mais de uma centena de pontos de venda de drogas a varejo, o que é surpreendente, a Rocinha tem uma UPP desde o ano passado, que contaria com pelo menos 800 policias em seu efetivo. A Rua2 seria um dos pontos fortes de venda, embora o narcotráfico use a tática de pontos móveis, daí o nome de “movimento”, os pontos estão sempre em constante mudança. Uma das versões entre as várias hipóteses possíveis é que Amarildo era um arquivo precioso, viu muita coisa que não deveria ter visto. Teria sido uma “queima de arquivo” e seu corpo levado por uma usina de lixo no Caju. Sua família segundo declarações de sua esposa tinha sofrido varias ameaças por parte de policias da UPP, mesmo antes do desaparecimento. O inquérito estava sendo conduzido pelo delegado Orlando Zaccone da 15ª DP na Gávea e passou para o delegado Rivaldo Barbosa da Divisão de Homicídios.

Os moradores da Rocinha estão revoltados, tem feito vários protestos exigindo solução para o caso. A maior parte culpa os policiais da Unidade Pacificadora que em vez de trazer a paz tem trazido medo e insegurança para a imensa população da imensa favela. Sua esposa Elisabeth não aceitou ser incluída no Programa de Proteção a Testemunhas oferecida pelo governador Sergio Cabral em um encontro no palácio. Ela se recusa a sair do morro, teme ser executada, e diz que prefere ter a proteção dos moradores da comunidade. A maioria dos moradores não acredita mais que os restos mortais de Amarildo possam ser encontrados, sua família teme represálias, mas continuará a protestar até que tudo seja esclarecido. O comandante da UPP e setenta policiais foram trocados, os tiroteios voltaram a perturbar o sono dos moradores que continuam gritando frases como: “O  povo quer justiça, mas quem manda é a policia” e “Queremos saber, onde está Amarildo”?

Amarildo foi lembrado em diversos protestos no RJ e no restante do País desde seu desaparecimento, em julho. (Crédito: Alcyr Cavalcanti)

Amarildo foi lembrado em diversos protestos no RJ e no restante do País desde seu desaparecimento, em julho. (Crédito: Alcyr Cavalcanti)

A POLITICA DE SEGURANÇA É CONTESTADA

A Rua2 é uma das vias de acesso mais importantes da Rocinha.  No final de 1988 a localidade foi invadida pela PM, e no mesmo local onde os narcotraficantes faziam seu QG, um fliperama foi instalado um posto policial, após serem eliminados todos os “chefes do trafico” em uma série de confrontos, segundo a versão oficial. A ideia predominante é que existe um inimigo que deve ser exterminado, e uma guerra ao terror é a tônica que rege as invasões e ocupações desde 1995, com a nomeação do general Nilton Albuquerque Cerqueira. Foi implantada a ideologia da Lei de Segurança Nacional, aplicada novamente em pleno século XXI, qual um monstro mitológico tem varias faces, uma delas sob a forma das Unidades Pacificadoras-UPPs, a outra sob a forma de uma “Comissão Especial Para Investigação de Atos de Vandalismo”. A “nova lei” é apenas uma forma de manter o status quo, a velha politica do “prendo e arrebento”, um mecanismo de defesa de regimes de exceção, uma violação constante aos mais elementares direitos de cidadania, um atentado à democracia. As leis de exceção atualmente têm se estendido a toda a cidade, não é mais um triste privilégio dos morros cariocas.  A repressão vai se alastrando aos bairros nobres da Zona Sul. Todos passam a ser inimigos do Estado.

Os índices de criminalidade não têm diminuído, segundo dados do Instituto de Segurança Pública-ISP o número de assassinatos na cidade do Rio de Janeiro foi de 113 casos no mês de agosto, e de 453 em todo o Estado, um indicador de que existe alguma coisa errada na proteção ao cidadão carioca. Para o sociólogo Ignacio Cano da UERJ a politica de segurança está esgotada após um sucesso inicial efêmero, “qualquer morte deve ser investigada mesmo que não haja indício de ilícito. No Brasil não se pode matar sem defesa, e sem julgamento, a lei deve ser respeitada”. Acuados nas favelas ocupadas os criminosos tem migrado de uma região para outra, e os índices de criminalidade tem disparado nas regiões mais próximas, principalmente em Niterói e São Gonçalo, o que coloca em xeque a propalada eficiência da politica de segurança”.

* Alcyr Cavalcanti é Diretor de Jornalismo da ABI.