ABI vai hospedar Memorial Virtual do antigo DOI-CODI, em homenagem às vitimas da tortura


12/05/2023


“Você sabe onde está?”, foi a primeira pergunta dirigida ao então estudante de Geologia Adriano Diogo, ao chegar ao pátio da 36ª Delegacia de Polícia de São Paulo, em março de 1973. “Na antessala do inferno”, seguiu-se a resposta do major Carlos Alberto Brilhante ­Ustra, comandante do DOI-Codi por quatro anos, ídolo de Jair Bolsonaro.

Alojado nos fundos da delegacia, em área cedida pelo governo estadual, o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna foi o principal órgão de repressão da ditadura. “Casa da Vovó”, “Hotel Tutoia”, “Hospital” e “Açougue” eram os codinomes usados pelos agentes do Estado para se referir ao local. “Ali, militares e policiais trabalharam lado a lado durante os anos que muitos deles hoje consideram memoráveis. Oficiais transformavam-se em ‘doutores’ e delegados em ‘capitães’. Havia outros códigos naquele lugar: ‘clínica-geral’, ‘clientes’, ‘pacientes’, ‘paqueras’, ‘cachorros’ e, dependendo de que lado se estava do muro, torturadores e terroristas”, descreve o jornalista Marcelo Godoy no livro A Casa da Vovó.

Diogo, ex-deputado estadual, lembrou-se do monólogo de Ustra durante uma visita às antigas dependências do destacamento, no bairro da Vila Mariana. Mensalmente, o Núcleo de Preservação da Memória Política, que conta com a participação e os depoimentos de ex-presos políticos, organiza visitas aos prédios onde funcionou o DOI-CODI.

A depender da disposição de ex-presos políticos, relatos como esses não serão esquecidos. Com o apoio da Associação Brasileira de Imprensa será lançado em breve, no site da entidade, um Memorial Virtual do antigo DOI-CODI, organizado pelos jornalistas Ivan Seixas, conselheiro da entidade e da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos, e Moacyr Oliveira Filho, diretor de Jornalismo, que estiveram presos no DOI-CODI, entre 1971 e 1972, e pelo fotógrafo Dimitri Lee, em homenagem às vítimas da tortura. O Memorial terá textos e fotos sobre o local e os 78 militantes que ali foram assassinados na tortura ou executados em outros centros clandestinos de repressão.

Fundado em julho de 1969 como Operação Bandeirante (Oban), financiado por empresas brasileiras e multinacionais, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, bancos e pelo então prefeito Paulo Maluf, que forneceu instalação elétrica e asfaltamento do pátio e ruas adjacentes, o órgão passou, por decisão do II Exército, a chamar-se DOI-Codi no ano seguinte, mesmo período da criação da Polícia Militar e da Rota. Em tese, funcionava como centro de inteligência, busca e captura de dissidentes políticos. Mas, segundo dados levantados pela Comissão Nacional da Verdade, pela Comissão da Verdade de São Paulo e num relatório confidencial do Exército, hoje conservado pelo Arquivo Nacional, de 1969 até dezembro de 1976 morreram, ali e em outros centros clandestinos de repressão, 78 militantes políticos. De João Domingos da Silva e Virgílio Gomes da Silva, em setembro de 1969, a Ângelo Arroyo, João Baptista Franco Drummond e Pedro Pomar, em dezembro de 1976.

Como é possível notar nas visitas monitoradas pelo Núcleo Memória, as salas de interrogatório (e tortura) estão relativamente conservadas, portanto, ainda lúgubres. Por outro lado, as celas na delegacia, inclusive a solitária, transformaram-se em escritórios. A casa onde o “Doutor Tibiriçá”, o major Ustra, vivia com a família tornou-se depósito de materiais. “A filha dele andava por aqui e brincava com as presas”, relembra Diogo.

Em 2014, o prédio foi tombado a pedido de Seixas, cujo pai foi executado numa sala de interrogatório. Ex-militante do Movimento Revolucionário Tiradentes, o jornalista tornou-se ativista de Direitos Humanos e um dos proponentes do Memorial da Resistência, o primeiro dedicado à ditadura, na antiga sede do DOPS paulista. Agora é a vez de um novo museu, on-line.

“No pedido de tombamento havia a recomendação de criação de um memorial. Devido à demora do espaço físico, produzimos o Memorial Virtual em Homenagem às Vítimas da Tortura”, esclarece. “Todo o espaço foi fotografado, então o visitante poderá fazer um passeio virtual pelo ambiente.”