ABI repudia violência contra mulher arrastada por viatura da PM


Por Cláudia Souza*

19/03/2014


Cláudia Ferreira sendo arrastada (Reprodução imagens do Extra)

Cláudia Ferreira sendo arrastada (Reprodução imagens do Extra)

A Associação Brasileira de Imprensa manifestou indignação em relação ao episódio envolvendo a auxiliar de serviços gerais Cláudia Silva Ferreira, de 38 anos, que, após ser baleada no Morro da Congonha, em Madureira, Zona Norte de Rio, foi arrastada por um carro da PM, presa ao porta-malas.

De acordo com o diretor da ABI, Jesus Chediak, tragédias como a de Cláudia Ferreira exigem da sociedade um grande debate em torno da qualidade da educação no Brasil:

— Esses policiais não tiveram uma educação adequada. Você não vai fazer o milagre de consertá-los na academia militar.

As imagens de Cláudia Silva Ferreira sendo arrastada por cerca de 250 metros mobilizaram o governo federal, entidades de defesa dos direitos humanos e representações políticas.

A presidente Dilma Rousseff usou seu perfil no Twitter para se dirigir aos parentes da vítima. “Nessa hora de tristeza e dor, presto a minha solidariedade à família e amigos de Cláudia. A morte de Cláudia chocou o país”, escreveu a presidente.

Nesta quarta-feira, dia 19, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) aprovou pedido do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) para promover uma audiência pública sobre o tema, ainda sem data definida.

O parlamentar observou que o episódio ocorreu poucos meses depois de vir à tona outro caso que expôs os abusos da Polícia Militar do Rio de Janeiro: o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, na Rocinha. O julgamento dos 25 policiais militares acusados de terem torturado e desaparecido com o corpo do trabalhador começou em fevereiro.

— Casos de Amarildo e Cláudia são fenômenos que ocorrem todos os dias nas favelas pelos excessos cometidos por parte de uma polícia despreparada – disse Randolfe.

A ideia, segundo o senador, é avançar no debate em torno Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 51/2013 que prevê a desmilitarização das polícias, redefinindo seu papel e transferindo aos estados a responsabilidade de decidir como deve funcionar o policiamento. O texto é de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), um dos convidados a participar da audiência pública.

Além de Lindbergh, serão convidados o ex-secretário de Segurança Pública do Ministério da Justiça Luiz Eduardo Soares e o deputado estadual do Rio de Janeiro pelo PSOL Marcelo Freixo.

Desumano

Dezenas de entidades representativas da sociedade civil acompanham o caso e exigem punição para os responsáveis.

— É um fato trágico, mas infelizmente não tão incomum quanto parece. Desta vez, uma pessoa filmou, e acabou vindo à tona essa situação que nos causa indignação. Transportar uma pessoa num porta-malas é completamente desumano — disse Breno Melaragno, presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB.

Para o diretor-executivo da Anistia Internacional Brasil, Átila Roque, a violência cometida contra Cláudia Ferreira revela a situação da população desfavorecida:

— Este caso é um indicativo do grau de degradação e desrespeito da polícia por uma parte dos cidadãos. A favela e as periferias são vistas como territórios inimigos. A sociedade e o Estado precisam mandar uma mensagem clara, de que a barbárie não pode ser tolerada.

A ONG Rio de Paz lançou uma petição exigindo justiça e uma indenização para a família de Cláudia. A lista com assinaturas será entregue a Sérgio Cabral, que recebeu nesta quarta-feira os parentes da vítima, incluindo o viúvo Alexandre Fernandes da Silva, e os quatro filhos e quatro sobrinhos que eram criados por Cláudia Ferreira.

— Há um senso comum de que todo morador de comunidade é bandido. Sabemos que há tráfico, mas não somos criminosos. A grande maioria é trabalhadora. A polícia não pode entrar na comunidade atirando, afirmou Alexandre Fernandes da Silva, que também nesta quarta-feira, reuniu-se a portas fechadas com o chefe da Polícia Civil, delegado Fernando Veloso, e o comandante-geral da PM, coronel Luiz Castro de Menezes, na sede da Polícia Civil. O viúvo pediu agilidade na investigação e na punição dos PMs envolvidos no caso e reafirmou que pretende processar o estado. Alexandre também destacou que o caso só está tendo repercussão por ter sido gravado.

O governador Sérgio Cabral classificou como “abominável” a atitude dos três PMs contra a vítima:

— Foi repugnante. A expulsão desses PMs da corporação é o mínimo que pode acontecer. Os três policiais não conduziram a situação de forma humana.

Os parentes de Cláudia Ferreira disseram durante a reunião que alguns moradores testemunharam o fato, mas têm medo de prestar depoimento. Presente ao encontro, o secretário de Assistência Social, Pedro Fernandes, disse que vai solicitar apoio do Ministério Público para que parentes e vizinhos que não estiverem seguros possam ser incluídos no Programa de Proteção à Testemunha.

De acordo com Pedro Fernandes, a ideia é agilizar, em parceria com outras secretarias de estado, além da prefeitura e da Justiça, os processos para que a família de Cláudia não fique desamparada:

— A prefeitura vai complementar a renda familiar por meio de programas assistenciais. Vamos priorizar ainda a questão da guarda legal dos quatro sobrinhos que eram criados por Cláudia e vão continuar vivendo com o viúvo.

Revolta

Protesto moradores do Morro da Congonha

Protesto moradores do Morro da Congonha / G1

As imagens foram feitas por um cinegrafista amador por volta das 9h de domingo, quando uma viatura do 9º BPM (Rocha Miranda) descia a Estrada Intendente Magalhães, no sentido Marechal Hermes, com o porta-malas aberto. Depois de rolar lá de dentro e ficar pendurado no para-choque do veículo apenas por um pedaço de roupa, o corpo de Cláudia foi arrastado por cerca de 250 metros, batendo contra o asfalto conforme o veículo fazia ultrapassagens.

— Foi revoltante ver aquele corpo pendurado. Os policiais iam ultrapassando outros carros e o corpo ia batendo no asfalto. As pessoas na rua gritavam, tentando avisá-los, mas eles só pararam por causa de um sinal que fechou. Neste momento, dois policiais desceram da viatura e puseram o corpo de volta no carro, disse o cinegrafista.

A cena começou a ser registrada próximo ao número 796 da Estrada Intendente de Magalhães, na altura da Rua Boiacá, e foi filmada aproximadamente até o número 878, onde fica uma agência da Caixa Econômica Federal.

Investigação

Os subtenentes Rodney Miguel e Adir Serrano Machado, e o sargento Alex Sandro da Silva, acusados de transportar no porta-malas do carro da PM o corpo de Cláudia Ferreira, prestaram novo depoimento na 29ª DP (Madureira), na tarde desta quarta-feira. Eles deixaram o presí­dio Bangu 8, na Zona Oeste, onde estão presos.

PMs presos por arrastar Cláudia Ferreira (Foto:Marcelo Carnaval / Agência O Globo)

PMs presos por arrastar Cláudia Ferreira
 (Foto: Marcelo Carnaval / Agência O Globo)

De acordo com a polícia, os três PMs foram ouvidos no domingo, 16, mas não revelaram que a auxiliar de serviços gerais havia sido arrastada pela viatura. Os policiais contaram que foram ao Morro da Congonha para socorrer uma pessoa baleada, e alegaram que colocaram Cláudia Ferreira, ainda viva, no porta-malas porque o clima entre os moradores estava tenso e, no banco de trás, já havia fuzis e coletes.

O inquérito da delegacia vai apurar também de onde partiu o disparo que atingiu a moradora do Morro da Congonha.

De acordo com laudo do Instituto Médico-Legal (IML), Cláudia morreu em função do tiro que a atingiu no peito. Ela foi vítima de “laceração cardíaca e pulmonar de ferimento transfixante do tórax por ação perfurocortante”. Outro laudo pericial aponta que o porta-malas do carro dos PMs não estava com defeito.

Além da perícia na Estrada Intendente Magalhães, entre os números 800 e 1.000, por onde o corpo de Cláudia foi arrastado, a polícia vai analisar imagens de câmeras da CET-Rio e de estabelecimentos comerciais da região.

Imprensa Internacional

“Um ‘saco’ com quatro filhos.” Este foi o título da reportagem do jornal espanhol “El País” sobre a morte de Cláudia da Silva Ferreira, referindo-se à forma como o corpo da vítima foi arrastado pela viatura policial. A reportagem afirma que a tragédia “poderia ter sido outra morte registrada como bala perdida”. Mas, devido à divulgação das imagens pelo jornal “Extra”, o caso provocou protestos e mostrou “como a vida continua perdendo valor no Brasil”.

A tragédia também foi noticiada em veículos de comunicação do Reino Unido, Alemanha e China. Os sites italianos Il Fatto Quotidiano, Blitz Quotidiano e Today veicularam links para as imagens da tragédia.

*Com informações do Globo, Extra, Agência Senado