ABI reafirma que o Judiciário é o maior inimigo da liberdade de imprensa


20/06/2008


A ABI expressou nesta quinta-feira, dia 19, seu protesto contra a decisão da Justiça Eleitoral que puniu a Folha de S.Paulo, a revista Veja São Paulo e a ex-Ministra Marta Suplicy pela entrevista que esta concedeu às duas publicações. Em declaração sobre o caso, a ABI lamenta ter de reafirmar que “o Poder Judiciário é atualmente o maior inimigo da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão no País”.

“A Associação Brasileira de Imprensa” — diz a nota — “lamenta ter de reafirmar que o Poder Judiciário é atualmente o maior inimigo da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão no País, como tem ficado evidente na farta massa de decisões e despachos colidentes com essas franquias constitucionais emanados de juízes de primeira instância e, em alguns casos, até mesmo da magistratura de segundo grau. Esses agentes do Judiciário não assimilaram, apesar das duas décadas decorridas, o caráter democrático do Estado de Direito instituído pela Constituição de 5 de outubro de 1988 e agem e decidem como se estivéssemos ainda sob o guante da ditadura miilitar.

Esse entendimento da ABI é revigorado agora pela decisão do Juiz da 1ª Zona Eleitoral do Município de São Paulo, Francisco Carlos Shintate, de acolher infeliz representação do Procurador Eleitoral Eduardo Rheingantz e impor penas pecuniárias ao jornal Folha de S.Paulo, à revista Veja São Paulo e à ex-Ministra Marta Suplicy, por entrevistas por esta concedidas às duas publicações, sob o fundamento de que esses trabalhos jornalísticos constituíram propaganda eleitoral antecipada. À Folha e à Editora Abril, que publica Veja, o Juiz Shintate impôs a multa de R$ 21.282, enquanto a ex-Prefeita foi punida com a multa de R$ 42.564. 

Longe de ser mero e simples episódio da disputa eleitoral que se travará proximamente em São Paulo e nos demais municípios do País, a representação do Procurador Rheingantz e a sentença do Juiz Shintate constituem grave e intolerável ofensa à liberdade de imprensa assegurada de forma plena pela Constituição, que não admite qualquer óbice ou condicionamento ao exercício dessa franquia. Em seu artigo 220, parágrafo 1º, o texto constitucional estabelece com clareza meridiana que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”.

Se a Constituição não defere nem mesmo à lei a possibilidade da imposição de tal limitação à liberdade de informação, esse impedimento não pode ser contornado nem ignorado por uma sentença judicial, que é menos do que a lei. Se tal competência é negada ao próprio Congresso Nacional, colegiado composto por quase 600 membros, com muito mais razão não é atribuida a juiz que decida monocraticamente, na solidão absoluta de seu gabinete, ou a qualquer colegiado de magistrados. Nem despacho, nem sentença, nem acórdão podem impor restrição à liberdade de informação jornalística, como preceituado de forma irretocável no texto da Lei Maior. Isso era possível sob a ditadura militar; agora, não. Não estamos mais sob ditadura, nem de farda, nem de toga. 

No caso em exame, tanto o procurador como o juiz demonstram desconhecer não apenas o texto constitucional, mas também algo mais trivial e elementar, que é a distinção entre noticiário jornalístico e propaganda, seja eleitoral ou não. Uma coisa é o alarde em torno de virtudes de um produto, de uma personalidade de qualquer área ou de uma instituição, seja política ou partidária; outra, muito diferente, é a exposição de idéias, formulação de propostas acerca da vida social e de narrativa de trajetórias individuais, como as de agentes políticos. A proximidade de uma disputa eleitoral não pode excluirar uma pessoa do mundo dos vivos e privá-la do direito de expressão, como pretenderam fazer e fizeram com a ex-Ministra o procurador e o juiz, com a agravante de que ambos entenderam que essa morte civil deveria ser reconhecida pelos veículos de comunicação.

A ABI espera que essa sentença seja anulada pelo Tribunal Regional Eleitoral , que não pode dar guarida a uma decisão inadmissível sob o Estado Democrático de Direito que a Constituição de 1988 instituiu. O povo brasileiro travou ásperas batalhas contra a ditadura. O Poder Judiciário não pode ressuscitá-la, como faz essa malsinada sentença.

Rio de Janeiro, 19 de junho de 2008.

Maurício Azêdo, Presidente.”