ABI quer ampliar debate sobre fake news


28/05/2020


Há pouco mais de dez dias, começou a tramitar na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2620, de autoria dos deputados Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES). Ele recebeu o pomposo nome de: “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”.  É mais uma iniciativa para coibir a disseminação de fake news no País. No Senado, o Senador Alexandre Vieira (Cidadania-SC) apresentou o Projeto de Lei 2930, com o mesmo objetivo.

Na tarde do última quarta-feira (27/05), Tabata e Rigoni retiram da pauta a versão do PL 2620 que haviam apresentado na Câmara Federal. Alegaram que precisavam fazer ajustes no texto.  Mas, o que foi apresentado no Senado continua tramitando e deverá ser votado pelo plenário virtual da Casa, no meio da próxima semana.

Por razões não muito bem explicadas, o senador Alessandro Vieira manteve o seu projeto no Senado e tem se empenhado para aprová-lo, na próxima semana sem que seja analisado, ao menos, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania daquela Parlamento. Muito menos permitiu a realização – como é de praxe – de audiências públicas sobre a questão.

A Associação Brasileira de Imprensa – ABI – é uma das entidades que se uniu ao “Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé” para fazer uma análise mais aprofundada deste Projeto de Lei. A grande preocupação das instituições é que, a pretexto de combater as notícias falsas, o Congresso Nacional acabe aprovando regras que possibilitarão, no futuro, censura prévia nas comunicações digitais (especialmente, nos blogs e sites independentes de informações).

O texto que será discutido no Senado tem 31 artigos. Traz algumas soluções positivas. Mas, deixa inúmeras lacunas. A principal delas é a falta de precisão em relação aos critérios que estabelecem o que é verdadeiro e o que é falso. Outro ponto frágil do PL é quanto às formas e meios para se retirar uma informação falsa ou maliciosa veiculada pelas redes sociais.

Um manifesto que foi encaminhado, nesta semana, para as duas Casas Legislativas pede a suspensão, por enquanto, da aprovação deste texto legal. O documento é firmado por entidades da sociedade civil organizada e jornalistas que editam blogs de informação. Basicamente, reivindicam que seja convocado um amplo debate sobre o tema, através de audiências públicas.

A proliferação de fake news, neste momento grave em que o Brasil enfrenta uma pandemia devastadora e a proximidade das eleições municipais (ainda sem uma data prevista para a sua realização), têm estimulado os parlamentares a aprovar esta “Lei de Transparência na Internet” a toque de caixa. Tal tramitação acontece numa velocidade fora dos padrões daquele legislativo.

Mesmo porque, as sessões plenárias estão acontecendo por meios digitais (vídeo conferência). E, o que havia sido acertado é que diante da gravidade da crise sanitária, tanto o Senado quanto a Câmara, só se ocupariam de assuntos de extrema prioridade.

Na última reunião de 26 /05, a diretoria da ABI debateu o assunto. Como se trata de uma questão extremamente delicada, com consequências graves no que diz respeito à liberdade de imprensa, optou-se pela ampliação do debate em torno do Projeto de Lei antes da sua aprovação.

A ABI vem estudando os efeitos corrosivos das fake news, desde 2017. No início de dezembro do ano passado foi convocada para depor na 14ª audiência da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Fake News. Na ocasião, apresentou um projeto de checagem (checking media) de informações, em tempo real, que foi desenvolvido para o Tribunal Superior Eleitoral – TSE.

Há dois anos, a ABI negocia com o TSE a implantação de uma equipe de jornalistas, analistas de informação e especialistas em Tecnologia da Informação – T&I – bem como de uma estrutura técnica (softwares e robôs) que possibilitarão a captura, nas redes sociais, das notícias falsas. A partir daí, essa estrutura produziria as chamadas “vacinas” (a constatação do que é falso ou verdadeiro), no menor tempo possível.

Manifesto Democracia se constrói com informação de qualidade, sem censura e sem “fake news”

A disseminação em massa de “fake news”  é um fenômeno global que tem consequências devastadoras para a vida e para a democracia. O problema é real e exige respostas efetivas que preservem o direito fundamental à liberdade de expressão, que permitam o livre debate de ideias e de perspectivas sobre os acontecimentos.

A sociedade precisa enfrentar essa pandemia de mentiras e desinformação, que são produzidas de forma coordenada por setores ideológicos, políticos e econômicos, que investem muito dinheiro e inteligência para distorcer propositadamente a realidade, com o objetivo de alcançar seus objetivos e defender seus interesses.

A crise sanitária, que neste momento atinge o mundo, revelou de forma dramática o perigo que as “fake news” representam: líderes políticos ignorando a ciência para dizer que o Covid-19 é apenas uma “gripezinha”, estímulo ao uso de medicamentos sem comprovada eficácia científica, a disseminação de conteúdos afirmando que a doença não existe, ou foi fabricada para derrubar o presidente, etc.

Em meio a essa crise, surge uma pressão para que o Congresso Nacional dê resposta legislativa para o combate às “fake news”.

É fundamental que deputados e senadores tomem a iniciativa de realizar um amplo debate público sobre o melhor caminho a ser adotado para enfrentar a pandemia da mentira e desinformação.

Nós, jornalistas e comunicadores sociais – que trabalhamos para oferecer informação de qualidade para a sociedade, que lutamos para dar expressão e visibilidade a fatos e opiniões que não têm espaço na mídia hegemônica, que temos contribuído para conferir mais pluralidade e diversidade ao debate público no Brasil – afirmamos que não se pode, sob o pretexto de combater as “fake news”, criar mecanismos privados de avaliação da veracidade de conteúdos jornalísticos.

Alertamos para o perigo que representará para a democracia e para a liberdade de expressão conferir às plataformas privadas da internet a responsabilidade de definir que conteúdos são ou não verídicos, iniciativa que inclusive viola o Marco Civil da Internet. Tampouco podemos acreditar que agências privadas de checagem de notícias podem cumprir esse papel com isenção e neutralidade, ou que seja possível nomear grupos de jornalistas com o poder de classificar conteúdos jornalísticos produzidos por outros jornalistas.

Não se combate “Fake News” criando um Ministério da Verdade. Sabemos como isso acaba: com a tentativa de legitimação da censura.

O problema contemporâneo envolvendo a disseminação de mentiras e desinformação pode ser combatido de outra forma: criando instrumentos legais e usando os já existentes para desmontar os gabinetes de ódio e as fábricas de produção industrial de “fake news”. Isso pode ser feito cruzando as fontes de distribuição de desinformação — nas redes sociais, nos sítios web — com os esquemas criminosos de financiamento dessas estruturas.

É preciso responsabilizar civil e criminalmente empresas que financiam essas estruturas para fabricar e disseminar de forma artificial esses conteúdos que podem trazer danos à vida e à democracia. Agentes públicos que financiem e produzam esse tipo de conteúdo também devem ser responsabilizados por isso.

Também é fundamental exigir que as plataformas prestem informações transparentes sobre todos os mecanismos de mediação de conteúdos que elas já utilizam para definir o fluxo da circulação dos conteúdos.

Só é possível enfrentar essa questões a partir de um amplo debate, o que pressupõe a construção de mecanismos que incluam os mais variados setores sociais na discussão de propostas concretas. Neste momento de isolamento social, em que a Câmara e o Senado debatem remotamente, sem a realização de audiências públicas e outras formas de participação social, não é viável garantir amplo debate sobre o tema.

Neste sentido, alertamos para o perigo que pode representar para a democracia e para a liberdade de expressão a aprovação de qualquer projeto de lei sobre esse tema, de forma sumária e sem que estas formas de participação e diálogo amplo sejam produzidos.

São Paulo, 25 de maio de 2020.

Assinam este manifesto:

Entidades

Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé

Associação Brasileira de Imprensa
Abraço – Associação Brasileira de Rádios Comunitárias

Federação Nacional dos Jornalistas
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

Veículos

Jornalistas Livres
Revista Fórum

Brasil 247

Le Monde Diplomatique Brasil

Viomundo
O Cafezinho
Outras Palavras

Jornalistas

Altamiro Borges – presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Antônio Martins – Editor do Outras Palavras
Cynara Menezes – jornalista, Blog Socialista Morena
Denise Assis – jornalista e colunista do 247
Inácio Carvalho – Editor do Portal Vermelho

Kiko Nogueira – Editor Diário do Centro do Mundo
Laura Capriglione – Fundadora dos Jornalistas Livres
Laurindo Lalo Leal Filho – Professor aposentado da ECA/USP
Leonardo Attuch – Editor do Brasil 247
Luís Nassif – Editor do GGN
Marcelo Auler – jornalista
Miguel do Rosário – Editor do Cafezinho
Miguel Paiva – jornalistas pela Democracia
Paulo Moreira Leite – Jornalista
Paulo Salvador – da Rede Brasil Atual

Renata Mielli – jornalista, coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
Renato Aroeira – cartunista e músico
Rodrigo Vianna – jornalista

Silvio Caccia Bava – Editor do Le Monde Diplomatique Brasil
Vanessa Martina Silva – Editora da revista Diálogos do Sul

Sergio Lirio – redator-chefe da CartaCapital

Quem estiver interessado em aprofundar o tema, segue o link do projeto de lei

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8110634&ts=1589478308790&disposition=inline