ABI defende a revogação total da Lei de Imprensa


03/04/2009


Defensora da revogação total da Lei de Imprensa, a ABI se pronunciou no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do advogado e Professor Thiago Bottino do Amaral, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Após se dirigir ao Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, o ele expôs as considerações a seguir:

Importância do amicus curiae:

Questão preliminar. 

Independentemente do resultado, o presente julgamento traz em si uma importante conquista da democracia no Brasil. A abertura do Supremo Tribunal Federal à participação da sociedade civil nas ações de controle concentrado de constitucionalidade indica uma nova postura do Poder Judiciário Brasileiro, de valorização da pluralidade de opiniões, de estímulo ao debate público e de reconhecimento da importância da contribuição que os amici curiae podem oferecer aos julgadores. 

Quando a mais alta corte do País se mostra aberta para receber contribuições de pessoas ou instituições interessadas no julgamento de ações de controle concentrado de constitucionalidade, não só se assegura a ampliação do acesso à justiça e ao judiciário, como também angaria maior legitimidade para suas decisões. 

Nesse ponto, é preciso fazer dois registros. 

Em primeiro lugar, registra-se que a importância da figura do amicus curiae se deve ao pioneirismo do Presidente deste Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Ferreira Mendes, que muito antes de assumir uma cadeira nesta Corte escrevia sobre a participação popular no controle concentrado de constitucionalidade, sendo inclusive o responsável pela tradução, no país, da obra de Peter Häberle “A sociedade aberta e os intérpretes da constituição”. 

Em segundo lugar, registra-se o posicionamento do Ministro Relator, Dr. Carlos Ayres Britto, de privilegiar os juízos positivos de admissibilidade das instituições interessadas em participar, como amici curiae, dos julgamentos de sua relatoria. 

A importância da participação da ABI como amicus curiae

E é na condição de amicus curiae que a Associação Brasileira de Imprensa vem se manifestar perante este Supremo Tribunal Federal, reforçando seu compromisso de contribuir para a consolidação das instituições democráticas brasileiras. Afinal, a história da Associação Brasileira de Imprensa se confunde com a própria história do Brasil dos últimos 100 anos. 

Trincheira inexpugnável da defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos, a ABI tem orgulho de nunca se ter dobrado à intolerância e à violência dos governos ditatoriais ao longo de sua história. Mesmo nos períodos mais conturbados da história política nacional, a ABI sempre se empenhou pela defesa dos direitos dos jornalistas, da liberdade de imprensa e pelo restabelecimento da democracia. 

Instaurado o Estado Democrático de Direito no país, a ABI exerce papel fundamental na defesa da cidadania, bandeira hoje empunhada pelo seu presidente, Dr. Maurício Azedo, presente neste Plenário. 

A representação judicial da ABI na ADPF 130

Outro registro importantíssimo deve ser feito antes de adentrar na questão de mérito. 

A representação judicial da ABI nestes autos é feita pelo Núcleo de Prática Jurídica da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, coordenado por este orador. O memorial juntado aos autos é fruto do trabalho de onze estudantes de graduação, orientados por dois professores, ao longo de seis meses de pesquisas e estudos. 

Trata-se de uma proposta inovadora da FGV DIREITO RIO, de treinar seus alunos para uma intervenção qualificada no cenário jurídico nacional, exigindo que eles sejam capazes de estudar e resolver questões complexas. Nosso objetivo é formar um profissional com perfil diferenciado, capaz de refletir criticamente sobre sua atuação e , ao longo de sua trajetória profissional, promover mudanças importantes nas estruturas jurídicas necessárias ao desenvolvimento econômico nacional. 

Faço, na pessoa dos alunos Isabela Barros Gama e Carlos Humberto Borborema Alves, presentes neste Plenário, uma homenagem e um agradecimento a todos os que colaboraram para que esse trabalho fosse concluído e para que alcançasse, como alcançou, a aprovação e o reconhecimento do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa, que chancelou o trabalho destes alunos. 

A atuação pedagógica do Supremo Tribunal Federal

Por fim, é necessário destacar a atuação pedagógica deste Supremo Tribunal Federal ao julgar questões envolvendo direitos e garantias fundamentais. Pedagogia é a ciência que estuda, ordena, sistematiza e reflete sobre o processo educativo. E a pedagogia dos direitos fundamentais realizada por este Supremo Tribunal Federal se revela na provocação dirigida à sociedade e à população para que reflitam sobre os valores mais importantes do Estado Democrático de Direito. 

Essa é a verdadeira face política do Supremo Tribunal Federal, equilibrando o jogo democrático, atuando de forma contra-majoritária para proteger a minoria contra a opressão da maioria, assegurando o respeito dos direitos fundamentais sem receio de se indispor com políticos ou com a opinião pública. 

Novamente, qualquer que seja o resultado desse julgamento, o Supremo Tribunal Federal ensinará à sociedade muito sobre si mesma, sobre sua evolução política, sobre suas conquistas civilizatórias e sobre a consolidação de suas instituições democráticas. 

A revogação da lei de imprensa 

Questão de mérito.

Ultrapassadas as questões preliminares, a Associação Brasileira de Imprensa se manifesta favorável ao pedido de conhecimento da ação e, no mérito, pelo provimento do pedido principal, qual seja, da declaração de que a Lei nº 5.250/1967 é incompatível com a Constituição de 1988, como questiona o ilustre Deputado Miro Teixeira. 

Tal incompatibilidade se dá, em primeiro lugar, pelo papel instrumental que a liberdade de expressão desempenha no processo democrático de formação da vontade popular. Não há debate público verdadeiro, nem confronto de idéias, sem que seja assegurada ampla liberdade para expressar opiniões e pensamentos. A liberdade de expressão é pressuposto para um regime democrático, não se podendo suprimi-la sem ferir o cerne da participação dos indivíduos na vida política de uma sociedade.
 
Destaca-se aqui não somente o direito de informar, mas também o direito de receber informações, de saber o que se passa no país e na sociedade, de conhecer as diferentes manifestações de jornalistas, recebendo livremente os elementos que permitirão ao indivíduo formar sua opinião. É direito do indivíduo conviver em uma sociedade que proteja e assegure a pluralidade de fontes de informação. 

Em segundo lugar, inúmeros dispositivos da Lei nº 5.250/1967 (especialmente os seus artigos 1º, §§ 1º e 2º, 2º § 2º, 14, 16, 17 e 61 a 65) restringem a possibilidade de expressão de opiniões que, independentemente de sua importância para o debate público, constituem um valor em si mesmas. A restrição à manifestação da opinião viola o principio da dignidade humana, a auto-determinação individual, o direito das pessoas de refletirem por si mesmas sem qualquer dominação intelectual ou psicológica por outrem, o direito à auto-expressão e à auto-realização. É direito do indivíduo manifestar suas idéias e contestar as dos outros.

Não cabe, nesse breve tempo de sustentação oral, a análise individual dos artigos apontados como inconstitucionais. A inicial da ADPF faz isso de forma precisa. O que a Associação Brasileira de Imprensa pretende sustentar é a impossibilidade de que o restante da Lei se mantenha válido caso haja a declaração de invalidade de mais de 20 artigos, aproximadamente 1/3 (um terço) da lei.

A Lei de Imprensa encerra um sistema lógico, que pretende regular a liberdade de manifestação do pensamento e de informação. Podada em quase um terço de seus dispositivos, perde seu caráter de sistema, desequilibra-se como estrutura legal, e se desmancha como um castelo de cartas. 

Não se olvida a possibilidade de regulação dos temas mais sensíveis (direito de resposta, responsabilidade civil e criminal, proteção da intimidade) por meio de outros instrumentos jurídicos. Isso já ocorre por meio dos Códigos Penal e Civil e de outras leis presentes no ordenamento. 

Não se encerra a discussão sobre se há espaço para uma lei de imprensa. Nesse ponto a Associação Brasileira de Imprensa não tomou posição, em seu Conselho Deliberativo, sobre a possibilidade de uma nova lei. A Associação Brasileira de Imprensa não defende nem rejeita uma nova lei, pois acredita que esse tema só poderá ser discutido após esse julgamento. 

Mas a Associação Brasileira de Imprensa não tem dúvidas em afirmar que a Lei atual, em razão da inconstitucionalidade de grande parte dos seus dispositivos, deve ser toda suprimida do ordenamento jurídico nacional.
 
Isto posto, a manifestação da ABI é pelo conhecimento e procedência integral do pedido.