A verdade como fonte da memória


10/09/2008


 Bernardo Costa

Nelson Fernández, Gerardo Caetano, Maurício Azêdo, Alberto Guani, Giancarlo Summa e Nené Rodriguez

Em conferência realizada na tarde desta quarta-feira, dia 10, na sede da ABI, o cientista político e historiador uruguaio Gerardo Caetano, professor da Faculdade de Humanidades da Universidade da República do Uruguai, falou sobre a evolução dos direitos humanos em seu país. O evento aconteceu no Auditório Oscar Guanabarino, localizado no 9º andar da sede da Associação, e foi promovido em parceria com o Consulado-geral do Uruguai e o Instituto Cultural Brasil-Uruguai.

Além do palestrante, a mesa que conduziu o encontro contou com o Presidente da ABI, Maurício Azêdo; o Cônsul-geral do Uruguai no Rio de Janeiro, Alberto Guani; o Secretário-geral do Ministério de Relações Exteriores do Uruguai, Embaixador Nelson Fernández; o Diretor do Centro de Informações das Nações Unidas no Rio de Janeiro (Unic-Rio), Giancarlo Summa; o professor da Universidade Candido Mendes Enrique Rodríguez Larreta; a Presidente de Honra do Instituto Cultural Brasil-Uruguai, Nené Rodriguez; a Presidente-executiva da mesma entidade, jornalista Beatriz Bissio; e o ex-Presidente do Clube de Engenharia Raymundo Oliveira. 

Em sua palestra, Gerardo Caetano informou que 167 adultos e três crianças foram seqüestradas durante a ditadura militar no Uruguai e até hoje não foram encontradas. Disse também que o país contabiliza 5,5 mil presos políticos, o maior número por habitantes na América Latina, e que o índice de torturados é alto e “impossível de quantificar”.

Gerardo Caetano é o coordenador da Comissão Provincial pela Memória, criada pelo atual Governo para investigar os autores e os crimes praticados contra seus cidadãos durante o período ditatorial, de 1973 a 1985. Segundo ele, o principal objetivo desse trabalho é esclarecer os delitos de violação dos direitos humanos cometidos pelo regime militar, além de preservar a memória uruguaia por meio da verdade e da justiça. O professor lembrou ainda que os temas evocados em sua palestra não se restringem à realidade uruguaia e interessam a toda a comunidade internacional:
— O tema também não é restrito às vítimas; pertence a todos os parentes dos cidadãos atingidos, é um assunto de cidadania. É a mesma história que ocorreu no Brasil e que compete tanto a mim como aos brasileiros. A construção democrática exige essa política de memória e de justiça, para se afirmar como uma política de direitos humanos.

Debate cívico

Enrique Rodríguez, Nelson Fernández, Gerardo Caetano, Maurício, Alberto Guani e Giancarlo

O professor explicou que a Comissão Provincial pela Memória, responsável pelas investigações dos casos dos desaparecidos, é formada por 250 pessoas, que atuam no Uruguai e em outros países sul-americanos. De acordo com relatório organizado pelo grupo, o arquivo da Direção de Investigação da Polícia de Buenos Aires (Dipa) tem um banco dados com 3,5 milhões folhas e que 5% dos documentos foram analisados.

Para Gerardo, a política do silêncio que se criou em seu país se revelou extremamente imprudente:
— A construção da democracia não pode ser o abandono da memória e da justiça. Sempre haverá movimentos de reparação para investigar o caso dos desaparecidos e das crianças seqüestradas. Sabíamos que haveria resistência, mas a mentira e o silêncio têm limites.

Ele contou que os direitos humanos no Uruguai avançaram consideravelmente e que muitos torturadores hoje estão presos, como o ex-Presidente Gregório Alvarez:
— O trabalho dos investigadores que estão buscando documentos não é o ponto final, mas apenas o início de um processo investigativo. Estamos promovendo um debate cívico, institucional e político de um Governo que assumiu não dar as costas à impunidade e se propõe a esclarecer a verdade.

Segundo Gerardo Caetano, esse debate também não se encerrará no atual Governo:
— Ainda falta muito por fazer, sempre faltará, mas temos que contribuir com um testamento cidadão para que todos os indivíduos tenham o direito de conhecer seu passado. Estamos empenhados em fazer justiça sem rancor, mas com a energia necessária para construir o futuro.

Instrumentos legais

Giancarlo Summa, das Nações Unidas, referendou a importância do debate:
— A América Latina foi vitimada por ditaduras criminosas, mas cada país lidou com isso tentando resolver o que sobrou de tecido social e da dor das vítimas.

O Chefe do Escritório da ONU no Rio ressaltou a importância de se recorrer às comissões de verdade e aos processos penais domésticos, transnacionais ou em países estrangeiros:
— Há instrumentos jurídicos nacionais e internacionais que não ameaçam a estabilidade democrática das nações, o que é uma oportunidade rara para que os países da América Latina possam definir, de forma soberana, como lidar com essa questão de maneira que toda a sociedade possa participar desse processo sem medo.

 Gerardo Caetano e Maurício Azêdo

Exilados

O Secretário-geral do Ministério de Relações Exteriores do Uruguai, Nelson Fernández, disse que o Parlamento uruguaio aprovou uma lei que permite a volta de cidadãos exilados e acrescentou:
— Andamos pelo mundo tentando explicar como criamos uma frente ampla, de que maneira conseguimos ter uma central única de trabalhadores. Agora vamos levar anos para dar essa explicação, mas temos que compartilhar a nossa experiência, para contribuirmos com o alcance da democracia em todo o mundo.

No fim da conferência, ao se referir à participação do professor Gerardo Caetano, o Presidente da ABI falou de sua competência no campo das ciências sociais e sua atuação na defesa dos direitos humanos:
— Gerardo Caetano desenvolveu um trabalho cuja importância não se limita às fronteiras de seu País, mas alcança toda a América Latina e a própria comunidade internacional que enfrenta hoje, como em passado recente, graves agressões aos direitos humanos e contra as pessoas comuns e principalmente contra aqueles que não se submetem à privação da liberdade — concluiu Maurício Azêdo.