A SAGA DA Petrobrás, DA REVOLUÇÃO DE 30 AOS DIAS DO PRÉ-SAL – Capítulo 1


19/11/2019


 

A SAGA DA Petrobrás, DA REVOLUÇÃO DE 30 AOS DIAS DO PRÉ-SAL

(A luta pelo petróleo brasileiro desde o primeiro governo Vargas)

José Augusto Ribeiro

 

2ª edição (ampliada)

Partes deste livro já figuravam nos três volumes de A Era Vargas, de minha autoria, publicado em 2001, cinco anos antes da descoberta do Pré Sal. Com as adaptações, atualizações e acréscimos necessários, e no contexto dos desafios de hoje, elas reaparecem neste volume para possibilitar ao leitor uma visão de conjunto dos antecedentes da questão do petróleo no Brasil, das razões e circunstâncias da criação da Petrobrás e da importância do petróleo e da Petrobrás, primeiro na crise de agosto de 1954, que teve como desfecho o suicídio de Getúlio Vargas, e depois nas seis décadas seguintes e nos dois anos desde o impeachment da Presidente Dilma Roussef e a condenação e prisão do ex-Presidente Lula.

Uma versão anterior do livro está disponível, em edição digital, está disponível na Amazon Books, com o título Getúlio Vargas, a Saga da Petrobrás.

 

SUMÁRIO

 

1 / OS CAMINHONEIROS ZANGADOS

 

2 / 1954: “É só ele desistir da Petrobrás!” – DIZ O REI DA MÍDIA em recado a GETÚLIO

 

3 / A REVOLUÇÃO DE 30 PÕE O PETRÓLEO SOB CONTROLE DO GOVERNO FEDERAL

 

4 / 1938: GETÚLIO NACIONALIZA TODAS AS RESERVAS DE PETRÓLEO NO BRASIL

 

5 / UMA REFORMA AGRÁRIA NOS LATIFÚNDIOS SUBTERRÂNEOS

 

6 / 1939: JORRA PETRÓLEO EM LOBATO

 

7 / 1940: ROOSEVELT PENSA NUMA PETROBRÁS NOS ESTADOS UNIDOS

 

8/ A QUEDA E A VOLTA DE GETÚLIO: A CAMPANHA PRESIDENCIAL DE 1950

 

9 / O PROJETO DA PETROBRÁS: GETÚLIO QUER EVITAR ONDA ANTES DO TEMPO

 

10 / UMA BATALHA LONGA, DE QUASE DOIS ANOS, ATÉ A LEI DA PETROBRÁS

 

10 / NO BRASIL, GETÚLIO RESISTE NA ARGENTINA, PERÓN CEDE.

 

11 / A PETROBRÁS SAI DO PAPEL

 

12 / 1954: A CRISE DE AGOSTO

 

13 / “VAI ACONTECER DE NOVO”, DIZ GETÚLIO

 

14 / O VICE PERCEBE QUE NÃO PODE, E NÃO OUSA MEXER NA PETROBRÁS

 

15 / A PETROBRÁS NO GOVERNO JK E NOS 20 ANOS DE GOVERNO MILITAR

 

16 /DA ERA VARGAS À ERA LULA

 


Cap.1

OS CAMINHONEIROS ZANGADOS

 

Em maio de 2018, em plena campanha presidencial, a situação do Brasil já estava suficientemente complicada quando os caminhoneiros se declararam em greve, encostaram os caminhões e pararam o país, protestando contra os aumentos de preço quase diários do diesel vendido pela Petrobrás.

Nesse momento Lula passava de 30% na preferência popular e ainda se discutia se sua candidatura poderia ou não ser registrada. A prisão de Lula e o movimento dos caminhoneiros tinham um denominador comum claramente visível: a Petrobrás, a mesma Petrobrás cuja história abrigaria sob esse denominador comum, então pouco visível, tanto o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 quanto o suicídio de Getúlio Vargas em 1954.

Lula fora processado, condenado e preso numa das investigações da Operação Lava Jato sobre corrupção na Petrobrás. Dilma fora acusada de crimes de responsabilidade que nada tinham a ver com a Petrobrás, mas seu afastamento pelo impeachment teve como consequência imediata a investidura do governo Temer e o desmonte da Petrobrás, a partir da reforma da legislação sobre o Pré-Sal.

O primeiro passo depois do impeachment foi a conversão em lei do projeto do senador José Serra que praticamente acabava com as prerrogativas da Petrobrás no Pré Sal (descoberto exclusivamente por ela) e concedia as maiores facilidades às petroleiras privadas. Em seguida o governo Temer adotou um programa de venda de ativos e uma política de preços que levaria fatalmente à privatização da Petrobrás.

O movimento dos caminhoneiros contestava a política de preços praticada pela Petrobrás desde o impeachment de Dilma, alinhada às variações do preço internacional do petróleo, em nome de sua lucratividade e dos dividendos de seus acionistas minoritários.

Muitos opositores dessa política de preços desconfiavam que a greve fosse na verdade um lock out inspirado pelo exemplo do Chile em 1973, quando a ação dos caminhoneiros foi decisiva na promoção do caos econômico que permitiu a intervenção militar contra o governo de Salvador Allende e a ditadura do General Augusto Pinochet.

Os fatos demonstrariam que a mobilização dos caminhoneiros tivera de fato uma dimensão de lock out e golpista e outra espontânea, grevista mesmo, empenhada em conseguir apenas um benefício econômico, o fim da ciranda dos preços do diesel.

A parcela golpista do movimento foi frustrada em seu propósito de sensibilizar os comandos das Forças Armadas a um suposto clamor das ruas em favor da intervenção militar. O clamor não era das ruas, era da franja extremista e lunática entrincheirada no WhatsApp e demonstrou a decepção dessa franja quando as unidades militares foram chamadas a atuar na desobstrução das estradas bloqueadas e não só não evoluíram para a derrubada do governo como receberam ordem de seus comandos para evitar qualquer confronto com os caminhoneiros e e para não deixarem de negociar com eles – a negociação será “perene”, dizia um comunicado oficial do Exército.

Essa posição do comando do Exército contrastava com os ares beligerantes do governo e com o alcance das medidas contra os caminhoneiros permitidas por uma liminar do Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo. E também podia refletir as reservas dos militares aos planos privatizantes do governo para a Petrobrás.

A parcela espontânea e a própria parcela golpista do movimento conseguiram do governo uma trégua de sessenta dias em que os preços do diesel ficariam congelados e o compromisso, depois desses dois meses, de reajustes apenas mensais, que permitiriam aos caminhoneiros autônomos e às empresas transportadoras negociar fretes capazes de resistir à escalada galopante de seus gastos com o combustível.

O movimento dos caminhoneiros teve, segundo as pesquisas, o apoio de mais de 80% da opinião popular. Para os não-caminhoneiros, o mesmo problema do diesel vinha afetando os preços da gasolina e sobretudo do gás de cozinha, pagos pela classe média e pelas famílias mais pobres.

Com as antenas sintonizadas no que viviam em seu cotidiano – o supermercado e o hortifruti com as prateleiras vazias, o posto de gasolina fechado, o transporte coletivo precário ou desaparecido, escolas, universidades e empresas inativas, bancos ameaçados de ficar sem dinheiro nos caixas automáticos – todos puderam acompanhar pela TV o filme de terror de uma realidade ainda mais assustadora: aqui, meio milhão de litros de leite jogados fora de uma só vez num só lugar porque iam estragar mesmo; ali a expectativa da morte de animais por falta de ração e de canibalismo entre frangotes até então inofensivos; e afinal o momento em que essas preliminares de uma guerra de todos contra todos chegaram à violência física contra pessoas, com o descarrilamento de um trem carregado de diesel porque alguém retirou dos trilhos os parafusos que os mantinham no lugar, e logo depois um caminhoneiro morto pela pedrada que arrebentou e atravessou seu para-brisa.

 

UM NOVO DEBATE, SOBRE O PAPEL DA PETROBRÁS

Com o Brasil paralisado pela greve dos caminhoneiros, todos tiveram de algum modo a oportunidade de situar-se num novo debate que viralizava pelas redes sociais, ia muito além das palavras de ordem dos grevistas e punha em confronto as duas correntes políticas principais de uma controvérsia que prometia ou aparentava ser o embrião de um novo projeto nacional ou pelo menos de uma nova agenda para o país.

Uns perguntavam por que a lucratividade e os dividendos da Petrobrás deviam estar acima das necessidades e conveniências coletivas do país e dos custos de uma remuneração razoável do petróleo brasileiro.

Se 80% dos derivados consumidos no Brasil eram desdobrados de petróleo brasileiro, metade dele extraída a baixo preço na abundância do Pré Sal, por que incorporar ao preço pago pelo consumidor brasileiro os custos elevadíssimos do petróleo de outras regiões do planeta? O do Iraque, por exemplo, que incorporava seu custo militar desde a invasão norte-americana do segundo Bush para derrubar Saddam Hussein.

Porque, respondiam os do outro lado, a Petrobrás precisa demonstrar ao mercado que é um empreendimento lucrativo, no qual vale a pena investir e ao qual é possível emprestar muito dinheiro sem o risco do calote. A Petrobrás saira do governo Dilma dando prejuízo, o que Dilma atribuiria à queda, na época, das voláteis cotações internacionais do petróleo, e seus opositores debitariam aos casos de corrupção investigados na Operação Lava Jato e a preços subsidiados para os consumidores.

Na réplica dos primeiros aos segundos, três argumentos principais ressurgiam do passado da Petrobrás:

Primeiro, a Petrobrás só foi criada como estatal porque seu objetivo prioritário nunca foi produzir lucros e pagar dividendos, dos quais o governo brasileiro, seu acionista majoritário e controlador, nunca fez questão, e sim atender, nas melhores condições e preço, às necessidades da economia brasileira. Os acionistas minoritários sabiam disso desde que o governo Fernando Henrique pôs à venda na Bolsa de Nova York cerca de 30% do estoque acionário da Petrobrás.

Segundo, a Petrobrás só foi criada como empresa para dispor de uma flexibilidade impossível no serviço público. Na verdade, a Petrobrás seria essencialmente um serviço público, da mesma índole da educação, da saúde e da segurança, obrigações fundamentais do Estado e do governo.

Terceiro, a Petrobrás foi criada como estatal e só pode ser estatal porque cuida de uma questão estratégica, de segurança e defesa nacionais. Enquanto não for superado pelo predomínio de outras formas de energia, o petróleo continuará a ser estratégico e questão de segurança interna e de defesa externa. Nos Estados Unidos, na Segunda Guerra Mundial, o Presidente Roosevelt chegou a cogitar de uma estatal do tipo da Petrobrás porque as petroleiras privadas, pensando em primeiro lugar nos dividendos de seus acionistas, faziam negócios perigosíssimos com a Alemanha de Hitler – o que será contado no Capítulo 7 deste livro.

Se a Petrobrás fosse uma empresa privada, sua política de preços não comportaria protestos nem o debate político que provocou. O caminhoneiro zangado que tratasse de procurar preço melhor na concorrência. Hoje parece claro que, para o governo Temer, a Petrobrás ainda não era, mas estava a caminho de ser uma empresa privada e agia como se já o fosse.

 

A VENDA DE ATIVOS E AS REFINARIAS

Assim que Temer assumiu em lugar de Dilma, em maio de 2016, sua maioria no Congresso concluiu a votação do projeto do senador José Serra que restringia a participação da Petrobrás no Pré-Sal e privilegiava a participação de grupos privados, estrangeiros e nacionais, indistintamente. Em seguida, o presidente da Petrobrás, Pedro Parente, pôs em prática o programa de venda de ativos para que ela se tornasse contabilmente superavitária, pagando dividendos colossais aos acionistas estrangeiros, ainda que a longo prazo estivesse sendo desmantelada.

Não havia condições políticas para falar abertamente em privatização da Petrobrás, então o projeto foi batizado com o nome semanticamente neutro de desinvestimento.

Foram vendidos, por exemplo, dois mil quilômetros de dutos na região sudeste, a mais rica do país. Mas depois da greve dos caminhoneiros o Tribunal Regional Federal do Recife (TRF-5), com jurisdição sobre o Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, suspendeu a venda de outra rede de dutos no Nordeste.

A Quarta Turma do tribunal (TRF5) concedeu, por dois votos a um, a liminar solicitada pelo Sindicato dos Petroleiros de Sergipe e Alagoas para a suspensão imediata dos procedimentos de venda de 90% das ações da Transportadora Associada de Gás S. A. (TAG), subsidiária da Petrobrás, que controlava a maior malha de dutos de gás e óleo do país, com 4.5 mil quilômetros de extensão.

– A Petrobrás – escreveu em seu voto o relator do pedido, desembargador Edilson Nobre – não pode proceder à alienação de controle societário de empresa subsidiária sem a prévia realização de licitação. Se quiser entregar a TAG, a estatal deverá seguir a sistemática de venda prevista no Plano Nacional de Desestatização (PND).

Segundo o site 247, ao noticiar a decisão, “o preço do negócio é um acinte: 8 bilhões de dólares, para uma empresa que, em 2016, deu lucro líquido de 7 bilhões”. Além disso, após vender a TAG para a empresa Engie, a Petrobrás teria de alugar dessa Engie os mesmos dutos que lhe vendera, para continuar transportando sua produção.

A advogada do sindicato, Raquel Sousa, afirmou:

– Essa venda é uma negociata predatória e causaria à Petrobrás um prejuízo bilionário, que excederia tudo o que foi apurado na Operação Lava-Jato.

 

QUEM CONTROLA O REFINO CONTROLA OS PREÇOS

Um dos passos seguintes nesse programa de desinvestimento seria a venda de quatro grandes refinarias da Petrobrás, a Alberto Pasqualini, no Rio Grande do Sul, a Presidente Getúlio Vargas, no Paraná, a Landulpho Alves, na Bahia, e a Abreu e Lima, em Pernambuco.

No momento em que entrassem no debate as consequências previsíveis da venda das refinarias e o papel das refinarias na indústria do petróleo de qualquer país, os protestos desencadeados pelos caminhoneiros recrudesceriam fatalmente.

O movimento dos caminhoneiros já suscitara o debate sobre a política de preços da Petrobrás. Os preparativos para a venda das refinarias colocariam em questão o papel do setor do refino no conjunto da indústria petrolífera. A greve de advertência dos petroleiros, iniciada ainda com o movimento dos caminhoneiros em curso, protestava contra a política de preços da Petrobrás, mas também contra o programa de venda de ativos.

Qualquer passo adiante na tentativa de venda das refinarias levaria os petroleiros a nova greve e a mobilização destes contaminaria os caminhoneiros. Para estes, a venda das refinarias seria muito mais ameaçadora que a política de preços da Petrobrás. A política de preços poderia ser alterada pela própria diretoria da empresa, por iniciativa própria ou por decisão do governo federal, representante do acionista majoritário e controlador, a União. Se a diretoria não concordasse, só lhe caberia pedir demissão. Já a venda das refinarias não comportaria qualquer recurso eficaz contra o manejo dos preços, porque elas teriam novos acionistas majoritários e controladores, acionistas privados e imunes a qualquer interferência governamental.

Era contraditória, aliás, a atitude do governo Temer ao deixar que prevalecesse na política de preços da Petrobrás o interesse dos acionistas minoritários. Desde sua investidura, Temer seguia uma política econômica ortodoxa de combate à inflação e conseguira até a aprovação pelo Congresso de uma emenda constitucional que congelava o gasto público por vinte anos. Como, então, permitir aumentos quase diários no preço do óleo diesel num país que depende do caminhão para sua economia respirar? Como, no futuro, depender dos aumentos impostos por refinarias privadas em função da volatilidade das cotações internacionais do petróleo bruto?

Qualquer novo passo no projeto de privatização das refinarias poderia provocar nova greve dos petroleiros e nova paralisação dos caminhoneiros. O papel nevrálgico do refino na economia do petróleo e, portanto, na estabilidade da economia de um país como o Brasil era reconhecido pelo governo brasileiro pelo menos desde 1938, quando o primeiro governo Vargas criou o Conselho Nacional do Petróleo. O Brasil nem sabia se tinha petróleo, só descoberto em 1939 em Lobato, na Bahia, mas decidiu que sua prioridade seriam as refinarias. E fez isso a partir da experiência de dois vizinhos, a Argentina e o Uruguai.

 

O DIA EM QUE OS AVIÕES DA FORÇA AÉREA NÃO PUDERAM LEVANTAR VOO

O conjunto de decretos sobre petróleo que Getúlio Vargas assinou em 1938 partia de um pressuposto definido e defendido pelo general Júlio Caetano Horta Barbosa, futuro presidente do Conselho Nacional do Petróleo: o de que a base da indústria do petróleo seria o refino – e as refinarias deveriam preceder, se necessário, a exploração e a própria descoberta de petróleo. Para Horta Barbosa e sua equipe, a chave da indústria do petróleo estava no refino, existindo ou não petróleo no Brasil: só quem refinasse estaria em condições de fixar os preços dos derivados. O mercado do óleo bruto era livre no mundo e a indústria do refino deveria preceder a descoberta do óleo.

A prioridade do refino fora testada e comprovada pela Argentina. No começo, sua estatal YPF, Yacimentos Petroliferos Fiscales, criada em 1922, limitava-se a extrair petróleo bruto. O refino e o mercado estavam sob o controle de multinacionais, especialmente a West India, subsidiária da Standard Oil, e os preços da gasolina e da nafta consumidas pelos argentinos eram determinados em Nova York.

Um dos diretores da YPF, o General Enrique Mosconi, comandara anos antes uma base das primeiras unidades da aviação militar da Argentina. Um dia os aviões não puderam decolar, por falta de combustível: o governo atrasara o pagamento e o vendedor sustara o fornecimento. Mosconi, alarmado, passou a estudar a questão do petróleo e afinal foi chamado para a diretoria da YPF. Nela, propôs ao Presidente da República, o velho líder radical Hipólito Yrigoyen, a construção de refinarias pela empresa estatal.

Assim que a primeira refinaria entrou em funcionamento, a YPF conseguiu baixar o preço da gasolina, dos 30 centavos de dólar fixados pela Standard Oil para 20 centavos – uma redução que ensinava muito. Só a refinaria de La Plata, que custara 24 milhões de pesos, permitiu à Argentina, até 1935, economias de mais de 400 milhões.

Em 1930, Yrigoyen foi derrubado pelo golpe de Estado direitista do general José Félix Uriburu, no momento em que negociava com o governo da União Soviética a compra de gasolina a 12 centavos de dólar o litro. Um dos primeiros atos do governo Uriburu foi romper relações comerciais com a União Soviética e suspender essa compra.

O Uruguai, que não produzia petróleo algum, montara também um parque de refino e já refinava mais de metade de seu petróleo importado.

As primeiras medidas do primeiro governo Vargas sobre petróleo vinham dos primeiros meses de sua investidura, em seguida à Revolução que 1930, que o levara ao poder. Getúlio foi alertado por estudos do Estado Maior do Exército sobre a precariedade do abastecimento de combustíveis às unidades militares.

Qualquer crise ou conflito internacional que suspendesse o embarque, nas regiões fornecedoras, dos derivados importados pelo Brasil, paralisaria todas as forças de terra em apenas duas semanas e elas ficariam sem condições de atender a qualquer imprevisto ou emergência em qualquer ponto do país. Outros estudos do Estado-Maior do Exército alertavam para outra urgência da economia brasileira: o Brasil já exportava minério de ferro em bruto, mas não tinha uma indústria siderúrgica e importava desde locomotivas, trilhos e vagões para suas ferrovias até enxadas para seu jeca-tatu plantar um pouco de mandioca e feijão e não morrer de fome.

O governo da Revolução de 30 não teria como conduzir simultaneamente dois projetos tão grandes como o da siderurgia e o do petróleo. Deu prioridade ao da siderurgia, que estava bem amadurecido e resultaria na construção de Volta Redonda e na criação da Vale do Rio Doce, e quanto ao petróleo adotou duas medidas preliminares.

Em 1931 um decreto de Getúlio acabou com a farra das concessões para exploração de petróleo outorgadas pelos governos estaduais sem qualquer critério ou cuidado. O Estado do Amazonas, daquele tamanho, tinha sido fatiado em seis áreas de concessão, quatro delas entregues a subsidiárias da Standard Oil, do grupo Rockefeller. Por esse decreto, qualquer concessão nova dependeria de autorização do governo federal.

Em 1934 o Código de Minas, elaborado por um dos “tenentes” da Revolução de 30, Juarez Távora, então Ministro da Agricultura, separou a propriedade do solo da propriedade do subsolo. A da superfície seria do proprietário, mas a do subsolo e de seus recursos minerais seria propriedade pública, da Nação, como é ainda hoje.

No fim de seu primeiro governo, Getúlio pretendia aplicar em dois projetos os recursos em dólar que o Brasil acumulara ao longo da Segunda Guerra Mundial, vendendo ferro, manganês, borracha e até minerais atômicos aos Estados Unidos e outros países aliados contra Hitler. Eram mais de 700 milhões de dólares da época, hoje muitos bilhões, que Getúlio pretendia investir na construção das primeiras refinarias brasileiras de petróleo e na duplicação da usina ainda em construção de Volta Redonda.

Getúlio foi deposto em outubro de 1945 e o primeiro ato do novo governo, chefiado pelo Ministro José Linhares, Presidente do Supremo, foi abrir a indústria do refino a grupos estrangeiros. Os bilhões de dólares das reservas brasileiras foram, em seguida, dissipados na importação de mercadorias como óculos Ray Ban, pentes e ioiôs de plástico e na compra do ferro velho das ferrovias estrangeiras que logo, ao término de suas concessões, teriam de ser entregues ao governo brasileiro sem qualquer indenização.

 

GETÚLIO COM A CABEÇA A PRÊMIO

Cinco anos depois de deposto, Getúlio foi eleito Presidente em 1950. Isso acontecia mais de sessenta anos antes da queda de Dilma, da prisão de Lula e da greve dos caminhoneiros. Seu suicídio, em 1954, foi o desfecho escolhido por ele para uma crise em que a Petrobrás, criada pouco antes, teve papel decisivo, também pouco visível até hoje e, além disso, associado aos mesmos fenômenos de mídia que foram fundamentais no caso Dilma e no caso Lula.

Getúlio estava com a cabeça a prêmio desde o lançamento de sua candidatura à presidência na eleição de 1950. Os adversários mais febris tentaram mas não conseguiram que os militares vetassem sua candidatura, a pretexto de que ele fora deposto pelas Forças Armadas em 1945. Mesmo os antigetulistas mais radicais entre os militares não entraram nessa onda, porque se sabiam inferiorizados pela maioria militar contrária a um golpe ou a um veto como aquele. Afinal o golpe de 45 não cassara os direitos políticos nem de Getúlio nem de ninguém, e logo depois dele Getúlio tinha sido eleito senador e exercia esse mandato sem objeção ou impugnação de quem quer que fosse.

Mas a Guerra Fria e seu agravamento permitiram que a oposição civil conseguisse alguns avanços nos meios militares, na tentativa de convencê-los de que a linha política desenvolvimentista, reformista e nacionalista de Getúlio favorecia a infiltração comunista nos sindicatos e, portanto, servia de apoio à então União Soviética em sua luta de morte contra os Estados Unidos.

O próprio Getúlio aliara o Brasil aos Estados Unidos na década de 1930 e sobretudo na Segunda Guerra Mundial, na luta contra Hitler, mas agora se dizia que agia contra eles e suas empresas, e portanto a favor da União Soviética, com projetos como a Petrobrás e a Eletrobrás e atitudes como a recusa de tropas brasileiras para a Guerra da Coreia, na qual as forças norte-americanas lutavam contra o comunismo internacional da mesma forma como lutariam militarmente contra ele dez anos depois na Guerra do Vietnam.

Em 1953 a União Soviética, que já tinha a bomba atômica, chegou à bomba de hidrogênio e a expectativa da Terceira Guerra Mundial gerou nos Estados Unidos um clima de histeria coletiva, clima que nos meios militares do Brasil não chegou nem perto desse ponto, mas era de preocupação e ansiedade e existia muito antes da Guerra Fria, desde que tinham enfrentado a tentativa insurrecional comunista de 1935.

A maioria militar estava contra o golpe e a liderança golpista precisou de um estratagema para atrair apoios militares à tentativa de derrubar Getúlio: foi, no primeiro semestre de 1954, um pedido de impeachment sem a menor possibilidade de aprovação no Congresso, como alertou o líder da Oposição na Câmara, o então deputado Afonso Arinos, ao Brigadeiro Eduardo Gomes.

O Brigadeiro fora derrotado duas vezes como candidato antigetulista à Presidência, a primeira em 1945, na eleição que elegeu o General Dutra com o apoio de Getúlio, e a segunda em 1950, na eleição do próprio Getúlio. Agora o Brigadeiro liderava o grupo militar golpista e discutia com Afonso Arinos.

Este ponderava que a derrota do impeachment seria arrasadora, desmoralizaria a UDN, União Democrática Nacional, o partido ao qual ambos pertenciam e pelo qual o Brigadeiro fora candidato duas vezes, e liquidaria suas chances eleitorais na sucessão de Getúlio em 1955.

– Mas é necessário – insistia o Brigadeiro, convocando Afonso Arinos para comandar essa batalha perdida. O impeachment destinava-se não a ser aprovado, mas a ser derrotado. A derrota do impeachment serviria para que a maioria dos militares se convencesse tanto da impossibilidade de afastar Getúlio por meio de medidas legais e pacíficas quanto da necessidade de um golpe das Forças Armadas.

Afonso Arinos preferia que o caso fosse engavetado e esquecido, mas não teve condições de contrariar o Brigadeiro. O pedido de impeachment foi votado no plenário da Câmara na sessão de 16 de junho e rejeitado por 136 a 25 votos. Dos votos favoráveis ao impeachment, 21 foram dados pela UDN, que tinha 81 deputados em sua bancada, dos quais sessenta ou não votaram ou votaram contra o impeachment. Com 304 deputados na época, a Câmara só poderia aprovar o impeachment por dois terços deles, ou seja, 202 votos e pouco passou de dez por cento disso.

Agora fortalecidos em sua articulação do golpe – porque de fato a derrota do impeachment com apenas dez por cento do necessário comprovava a impossibilidade de afastamento de Getúlio com os bons modos da lei – o Brigadeiro e os outros chefes militares envolvidos no golpe estavam honestamente convencidos de que era preciso afastar Getúlio sob pena de que seu governo, mesmo involuntariamente, acabasse abrindo as portas do poder aos comunistas e ao domínio do Brasil pela União Soviética.

Os comunistas já tinham ousado a luta armada para derrubar Getúlio, na tentativa insurrecional de 1935, e agora sua estratégia – segundo os antigetulistas – era a infiltração nos sindicatos e em movimentos sociais que se pretendiam apenas nacionalistas, progressistas ou pacifistas mas acabavam servindo aos interesses soviéticos contra os Estados Unidos. Eles e seus inocentes úteis – dizia-se – conseguiam até infiltrar-se na redação de todos os jornais, mesmo os mais conservadores e especialmente a Última Hora, criada pouco antes para defender Getúlio.

Assim como o Brigadeiro e os outros chefes militares, boa parte da oficialidade das Forças Armadas, das lideranças civis oposicionistas – e da classe média sugestionada pela mídia e a TV contra o governo – acreditavam nos motivos alegados contra Getúlio. Ele era acusado de garantir impunidade aos autores intelectuais e executores de um crime de sangue e também aos responsáveis por crimes de corrupção e colarinho branco.

O crime de sangue fora um atentado a tiros contra um jornalista de oposição, Carlos Lacerda, que sobreviveu, atingido apenas por um tiro no pé, e um amigo que o acompanhava na função de segurança, o major da Aeronática Rubens Florentino Vaz, que morreu, atingido no coração. O caso de corrupção era um empréstimo do Banco do Brasil ao jornal Última Hora, que apoiava o governo e também fazia forte concorrência a jornais que faziam oposição ao governo. Esses jornais de oposição também tinham dívidas da mesma natureza com o Banco.

O financiamento à Última Hora já provocara uma CPI na Câmara dos Deputados e era a pauta permanente de Carlos Lacerda, que falava toda noite, sem limite de tempo, nas televisões do Rei da Mídia na época, Assis Chateaubriand, dono de jornais de grande circulação e rádios de grande audiência em todos os Estados, de uma revista semanal de meio milhão de exemplares de tiragem, O Cruzeiro, e das duas únicas TVs em funcionamento no Brasil, uma no Rio, ainda Capital da República, e a outra em São Paulo, já a capital econômica do país – um verdadeiro monopólio privado que não abria espaço para o direito de resposta de Getúlio e outras vítimas da metralhadora giratória de Lacerda.

A campanha de Lacerda contra Getúlio transbordava dos limites de alcance geográfico das duas televisões, porque reverberava pelos jornais e também pelo rádio. Lacerda, além da televisão, falava pela Radio Globo, que podia ser ouvida em lugares muito distantes do Rio, onde mantinha seus transmissores.

Afonso Arinos, que na época fez um discurso duríssimo intimando Getúlio a renunciar, diria anos depois que se penitenciava por seu papel da campanha contra Getúlio em 1954. Tanto ele quanto seus companheiros de oposicionistas não sabiam que o verdadeiro motivo para a derrubada de Getúlio era outro. Nessa ignorância, fizeram sem perceber o jogo de poderosos e astuciosos interesses estrangeiros.

Quem soube, na época, do maior desses interesses e até recebeu um aviso ou ultimato a Getúlio foi o Chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, General Mozart Dornelles. Esse foi um dos capítulos mais importantes de uma história que ainda não foi contada, a história da Petrobrás como presença permanente e decisiva e como denominador comum de episódios tão dramáticos da saga política do Brasil.