A primeira vez na avenida


03/03/2006


                      Nelson Perez

Rodrigo Caixeta, do ABI Online

Numa tarde tranqüila na redação, a Diretora de Jornalismo da ABI entra na sala com a notícia: a equipe estava escalada para cobrir o carnaval na Sapucaí. Num primeiro momento, gelei — afinal, trata-se da cobertura do maior espetáculo da Terra. Depois, fui tocado pela euforia de estar lá no centro dos desfiles, um local onde muitos colegas gostariam de estar, ainda que trabalhando.

Passado algum tempo, no entanto, veio a notícia triste: perdemos o prazo para a validação das credenciais. Tomado pela frustração, tentei relevar, mas já tinha ficado com aquele gostinho na boca. Até que, numa outra tarde, uma semana antes dos desfiles, conseguimos novamente o direito de credenciamento — mas apenas uma pessoa poderia ir. Desta vez, a decisão ficou a cargo da editora-executiva do ABI Online, que deveria escolher, em poucos minutos, qual repórter iria para a cobertura, pois no dia seguinte era preciso estar na Riotur com toda a documentação necessária.

Justamente neste dia, eu havia chegado mais cedo ao trabalho para cobrir um evento e, conseqüentemente, também saí mais cedo. Sabia, porém, que todos esses trâmites estavam rolando, mas nem imaginava o que estava por acontecer. No exato momento em que entrei em casa, o telefone tocou. Para a minha surpresa — e tensão — era a editora. Naquela hora, achei que tivesse feito alguma besteira, pois ela não tem o costume de ligar para a minha casa. Segundos depois, veio a não mais tão esperada notícia: eu cobriria a Sapucaí — sozinho, como repórter e fotógrafo. Fiquei trêmulo, gaguejei, mas aceitei o desafio. Confesso que quase não dormi aquela noite — porém, o espírito de carnaval começou a me invadir novamente e, pela manhã, já estava contagiado pela empolgação.

Na semana dos desfiles, sentia um frio intenso na barriga. A cada dia que passava, pensava que era um a menos para a minha estréia. E, ao organizar os preparativos para os dias de desfile do grupo especial, não parava de pensar em como faria para abordar os colegas que estariam lá trabalhando — afinal, minha pauta era cobrir a cobertura da imprensa. Tentei relaxar nas noites de sexta e sábado, mas o máximo que conseguia era cochilar alguns momentos e então minha cabeça começava a fervilhar de novo.

Chegou o grande dia. No domingo pela manhã, passei algumas horas na internet para me munir de mais informações sobre o sambódromo e saber onde encontrar mais facilmente os jornalistas. Lá, constatei que eles estavam espalhados por todos os cantos. A princípio, pensei que isso poderia facilitar meu trabalho, mas eles não param de se movimentar para cumprir a pauta.

O trânsito de jornalistas e fotógrafos é intenso. Além deles, multiplicam-se ao longo da passarela do samba os produtores, técnicos e operadores, cujas funções são essenciais para o trabalho dos repórteres. Os números, aliás, impressionam — são mais de 2.300 jornalistas distribuídos pelos 700 metros da avenida. Fico imaginando o quanto medem — e pesam — os cabos das câmeras de TV. Talvez sejam os cinegrafistas e cabomen que mais sofram durante a cobertura, pois ainda devem driblar diretores e seguranças das escolas para conseguir os melhores ângulos da transmissão.

Há momentos em que a aglomeração de pessoas é tão grande que se assemelha a uma briga. Essas “batalhas” acontecem normalmente quando entra alguma celebridade na avenida, pois todos disputam cada milímetro de espaço para ficar mais perto das estrelas.

Seguindo a sugestão da Diretora e da editora, arrumei um cantinho bem ao lado do recuo da bateria. Foi naquele momento que me dei conta de que aquele espetáculo era mesmo de verdade. Só de transcrever este instante, chego a ficar arrepiado. O som ecoava na minha caixa torácica, percebia a vibração através da minha camisa. Deixei o som entrar em meus ouvidos, desliguei-me do meu trabalho e fui até onde as ondas sonoras puderam me transportar — uma das melhores sensações que já vivi.

Foi só depois de ouvir o canto da bateria que de fato comecei a conversar com os jornalistas. Percebi que não era só eu que estava inebriado por aquele clima de alegria, mas todos, em seus depoimentos, demonstravam a emoção de estar ali naquele momento. Por incrível que pareça, não deparei com ninguém que não estivesse empolgado com aquela euforia.

A caminho de casa, me peguei diversas vezes com o som da bateria ecoando nos ouvidos. Nem era preciso fechar os olhos para imaginar. Já na cama, ainda flertava com a emoção do meu primeiro dia de cobertura, embora estivesse consumido pelo cansaço de andar tantas vezes pela extensão do sambódromo.

O segundo dia já foi mais tranqüilo. Estava me sentindo em casa, conhecia todas as dependências e sabia exatamente onde podia encontrar os colegas. Organizei o trabalho de forma a não percorrer tantos quilômetros e também para tentar assistir um pouco à apresentação das escolas. Pois é, engana-se quem pensa que os jornalistas que estão lá podem curtir o desfile. Ao contrário, existe muita ralação e pouquíssimo tempo para apreciar a festa.

Posso dizer que houve apenas um grande momento em que vi parcialmente o desfile. Tive uma visão aérea — infelizmente, não de helicóptero — do alto da torre de TV onde ficam muitos fotógrafos e cinegrafistas. O local não inspira nenhuma segurança, mas a sensação de estar vendo toda aquela festa de cima é indescritível. Para me concentrar nas entrevistas, precisei ficar de costas para a avenida, detalhe que pode ser percebido através das fotos dos fotógrafos entrevistados: todos eles aparecem com o arco da Apoteose ao fundo.

Com a visita à torre, finalizei meu roteiro de entrevistas na Sapucaí. Descendo os degraus, comecei a me despedir da cobertura. O saudosismo tomou conta e quase subi as escadas novamente, para curtir um pouco mais aquele momento. Comecei a olhar para as arquibancadas e demais dependências do sambódromo com o objetivo de registrar aquelas imagens no meu “arquivo pessoal”. E, de repente, percebi que havia sido a cobertura mais fascinante de que participei.

Acredito que todo jornalista deva passar por essa experiência, na minha suspeitíssima opinião, maravilhosa. Lembro-me de uma frase da minha Diretora: “Seu currículo está começando de trás para a frente.” E agora eu entendo o que ela quis dizer. Será difícil encontrar trabalho tão excitante como o da passarela do samba.