A evolução do tema e dos profissionais


18/06/2008


Quando era professor titular de Introdução às Técnicas de Jornalismo e de Jornalismo Comparado na Universidade Católica de Campinas, o jornalista Mário L. Erbolato (morto em 1990) ensinava a seus alunos que o início do jornalismo econômico foi tímido, com matérias curtas sobre câmbio de moedas, falências, concordatas e preços de alimentos.

                                     Bernardo Kucinski

Por sua vez, Bernardo Kucinski, Professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, lembra que o jornalismo brasileiro se desenvolveu tradicionalmente pela essência política, mas sempre com espaço para a edição de boletins ou gazetas mercantis: “Nos anos 30 do século passado, havia vários desses diários, em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife.” Na década de 50, as notícias de economia começam a aparecer com regularidade nos grandes jornais (“no período juscelinista do desenvolvimento industrial acelerado”), ocupando espaços mais generosos, abordando assuntos como a macroeconomia e o desenvolvimento setorial, alinhados ao crescimento das empresas manufatureiras multinacionais, instaladas em países periféricos como o Brasil.

Kucinski diz que, no regime militar, o jornalismo econômico ganhou espaço à custa de sua relação com a política, principalmente no período do chamado “milagre brasileiro”, de 67 a 72:
— Nessa fase formaram-se as editorias de Economia. Surgiu toda uma nova geração de jovens jornalistas especializados, muitos deles ainda hoje escrevendo sobre o assunto, em geral como colunistas. A partir de 1973, com a crise do petróleo, a economia tornou-se objetivamente tema central de preocupação de todos, no Brasil e no mundo, o que alavancou ainda mais o jornalismo econômico.

Entre os anos 80 e 90, entraram em cena os pacotes econômicos, que “dramatizavam o noticiário”. É também nessa época que as mulheres começam a aparecer em grande número na editoria.

Qualificação

Com o tempo, o jornalismo econômico ficou mais técnico e analítico, principalmente em momentos de crise — e a atualização passou a ser uma exigência ainda mais indispensável para quem cobre o setor, por meio de cursos ou seminários:
— Só que essa formação profissional complementar não era, e continua não sendo, contada na carga horária de trabalho. E as faculdades custaram a se preparar para falar de contas públicas, sistema financeiro, mercados futuros… — lembra Randolpho Souza, do Monitor Mercantil. — A pressão era maior para quem cobria as Bolsas de Valores, até que começaram a surgir alguns cursos, aqui e lá fora, inclusive nas próprias Bolsas, como as de Nova York e Chicago. Tivemos aula até com Mário Henrique Simonsen. Com o surgimento do open market, foi criada a Associação Nacional do Mercado Aberto (Andima), que até hoje promove cursos de especialização para jornalistas. Antes, pouco se sabia sobre dívida pública e seus respectivos títulos: ORTN, LTN etc.

Bernardo Kucinski, responsável, nos anos 80, pela introdução da disciplina Jornalismo Econômico na ECA, ressalta que o fraco desempenho dos alunos também pode comprometer a qualidade da cobertura:
— Em geral, um jovem já procura cursos de Jornalismo ou assemelhados porque não gosta de Matemática, de Ciências Exatas, de fazer conta. Mesmo assim, alguns passam a gostar de economia e eu os aconselho a se matricularem, paralela ou posteriormente, num curso específico, ou apelarem ao autodidatismo.

Com toda a evolução, porém, o noticiário econômico ainda é difícil de ser compreendido pela maioria dos consumidores, mesmo aqueles com formação superior:
— Essa é a triste verdade. O leitor não conhece as relações do mundo financeiro e os textos não as explicitam. Muitas vezes nem os repórteres dominam direito esse universo e acabam se protegendo por uma linguagem técnica, um jargão chamado “economês”, que dificulta ainda mais o entendimento pelo leitor.

Na opinião de Kucinski, os chamados sistemas lógicos acabam criando escolas de pensamento econômico paralelas — o que faz com que, com freqüência, analistas econômicos apresentem comentários distintos sobre a mesma questão:
— Suponhamos que o tema seja a queda na atividade econômica. O primeiro é monetarista recomendará a diminuição dos gastos públicos; o keynesiano, que se aumentem os gastos públicos. O leitor dança.

Intépretes

Toda essa complexidade é uma preocupação constante da editoria de Economia do jornal O Estado do Paraná:
— Procuramos fazer reportagens que orientem o leitor sobre situações fundamentais, como preços de produtos e elevação da cesta básica. Nada tão aprofundado quanto um veículo especializado, nem tão superficial que não possa ser compreendido por todas as camadas sociais — afirma o editor João Alceu.

Ele lembra que é dever do jornalista estar atento às conseqüências que uma notícia sobre uma importante questão econômica pode gerar na população, caso seja mal-interpretada:

                                                  João Alceu

— Por isso, ele deve ser o intérprete que auxilia o leitor a entender o tecnicismo do setor. Creio que estamos cada dia mais nos aproximando de uma linguagem que é, ao mesmo tempo, esclarecedora e orientadora. A economia faz parte do nosso dia-a-dia e reflete até ações simples como nossa preferência por um determinado produto em detrimento de outro. Precisamos compreender que, se a gente não entende o que fala, o leitor muito menos. É preciso se aprofundar no assunto para que o texto e a leitura fluam normalmente, sem entraves.

João Alceu faz coro com o economista Gustavo Franco, para quem a hiper-inflação e palavras como “rombo”, “confisco”, “queda” e “pacote” faziam com que o noticiário econômico fosse “melancólico e assombroso”:
— Antes, sabia-se que “pacote” significava que o contribuinte ia pagar algo mais. Hoje, pode ser exatamente o contrário. “Confisco” sumiu do noticiário e “rombo” está nas páginas policiais.